Dama de Ferro, Filme de Papel...
Aceitemos que A Dama de Ferro não é tanto um filme
sobre a “Era Tatcher”, esses onze cruciais anos de governação que ajudaram a
moldar as relações políticas do mundo moderno, mas que se trata antes de um
olhar sobre o lado humano, e principalmente feminino, da antiga e polémica Primeira-ministra
Inglesa. Que se trata antes das concessões e duros sacrifícios que teve de
fazer no seu trajecto profissional e pessoal, de modo a conseguir triunfar no
mundo exclusivamente masculino da politica britânica.
Aceitemos, tal como a realizadora nos propõe, que de certa
forma vida e obra são coisas algo distintas e que é recuando através do Outono
descendente de Tatcher que vamos descobrir o sentido da sua vida… Aceitemos
então isso. E ao fim de duas horas, o que é que aprendemos ou apreendemos com a
obra de Phyllida Lloyd?
Pouco. Muito pouco.
Que Tatcher era uma mulher. Que teve no pai um merceeiro
erudito, Que com a passagem dos anos ficou velha e meio demente. Que enquanto
estava no poder caminhava em camera lenta por longos corredores, sempre seguida
por uma trupe de homens engravatados, (Nota: No Parlamento Inglês todos se
movem como num filme do Wes Anderson) Que usava sapatos. (São incontáveis os
planos de sapatos que polvilham os filme: sapatos de homem, sapatos de mulher,
com salto, rasos, com atacadores, mocassins... de tudo um pouco, numa
qualquer alegoria que estou certo que se destina a ser importante dada a sua
insistência, mas que me escapou à compreensão por completo.) e... bem vistas as
coisas, é mais ou menos isto.
Pelo meio houve ataques bombistas do IRA, quebras na
economia, desemprego, muito desemprego, as duas greves mineiras, as Falkland, o
surgimento da geração Punk a passagem complicada da década de 70 para a de 80,
o fim da Guerra Fria, a ligação à administração Reagan e um sem número de
manifestações. Mas nada disso parece ser determinante para a realizadora quando
falamos da Governante Tatcher, ou da Mulher Tatcher, tal a forma ligeira com
que nos vai entregando essas informações, como se de videoclips dos Sex Pistols
se tratassem, sem qualquer tentativa de enquadramento ou necessidade de
explicação, como quem diz: “Olhem, isto também aconteceu, por acaso a Margareth
Tatcher também estava lá, ah e também por acaso era a Primeira-ministra mas não
liguem a isso.”, rematando com um Pythonesco “Now move along, there is nothing to see here!”
Não interessa que as medidas de Tatcher tenham afectado a
economia ou as relações externas, não interessa que o espectador nunca sinta a época
de Tatcher ou que fique com a sensação de que ela passou ao lado de tudo (que
não passou). O que interessa para o filme é que existe uma Tatcher ficcional
que passa os dias a discutir com o fantasma do marido, numa qualquer espécie de
versão decana e semi-politizada de O Fantasma Apaixonado (1947).
Dados os tempos que correm e porque até era importante olhar
e analisar de uma forma séria o que foram aqueles anos, para podermos também
compreender melhor o nosso presente, pedia-se que um filme como A Dama de
Ferro estivesse pelo menos à altura da trilogia sobre Tony Blair, iniciada
por Sephen Frears em The Deal (2003), continuado em A Rainha
(2006) e por fim terminada por Richard Loncraine em The Special Relation
(2010).
Não era sequer necessário um grande e detalhado filme biográfico.
Por vezes, e o cinema já nos provou isso, ficamos a conhecer melhor uma figura
e a sua época quando nos centramos naquilo a que Churchil chamava de “the
defining moment” da sua vida. (E no que diz respeito a biografias politicas Frost/Nixon
(2008) é um bom exemplo, ao conseguir revelar-nos mais sobre o carácter do
antigo Presidente Americano do que Oliver Stone em todo o seu épico Nixon
(1995)).
Desejava-se apenas que este fosse um esforço sério e honesto,
que não se apoiasse num guião cheio de lugares comuns e com a densidade de uma
folha A4, nem que fosse filmado de uma forma pop e superficial, nesse irritante
tipo de Chaos Cinema em que a camera se
move em constantes zooms desnecessários, ao melhor estilo de um documentário do
E! True Hollywood Story. Um mau filme que por mero acaso conta com uma grande
actriz.
E sim, salva-se Meryll Streep, muito provavelmente a melhor
das actrizes e dos actores que há memória. Aqui ela é fantástica, como sempre,
talvez até ainda mais do que é o seu habitual... mas ver Streep a fazer um
grande trabalho já não é exactamente uma novidade.
E se este podia muito bem ser o papel da sua vida, o filme
claramente não está ao nível da actriz (e não deixa de ser injusto, que num ano com tantos bons filmes que serão esquecidos, seja uma obra destas vá ser imortalizada com o inevitável Oscar para Meryl). Tornando-se
um pouco como assistir a uma prestação de Roger Federer num torneio de caridade
na tentativa de comprovarmos que é o melhor de sempre, e passarmos o tempo a
pensar “Quem me dera que isto fosse uma final de Wimbledon com o Nadal!”.
Em suma, uma oportunidade perdida. Quem quiser saber o que
era Margaret Tatcher e a sua era, está melhor servido se for ler O Diário Secreto de Adrien Mole com 13 anos
e ¾…
MS
MS
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