o hotel das estrelas cadentes


Estreias: CHELSEA HOTEL

De: Abel Ferrara

Com: Ethan Hawke, Milos Forman, Stanley Brad

Construído em 1883 e transformado em hotel em 1905, o Chelsea Hotel tem uma história que, na verdade, começa apenas em 1957, quando um cavalheiro chamado Stanley Brad assume a gerência. É graças à política liberal do discreto Stanley, uma espécie de mecenas do século XX que gostava de albergar artistas extravagantes mesmo que estes nem sempre tivessem dinheiro para lhe pagar, que o 222 da Rua 23, na baixa de Manhattan, se iria tornar um número mágico.

Toda a gente que era alguma coisa na cultura pop das décadas seguintes passou por lá. Das artes plásticas, vieram Andy Warhol, Julian Schnabel, Frida Khalo e o marido Diego Rivera, Robert Mapplethorpe, Cartier-Bresson. Do cinema, Milos Forman, Stanley Kubrick, Dennis Hooper ou Jane Fonda. Das letras, Dylan Thomas, Arthur C. Clarke, Mark Twain, William S. Burroughs, Arthur Miller, Gore Vidal, Tennesseee Williams, Tom Wolfe, Charles Bukowsky, Jack Kerouac, Sarte e sua Simone de Beauvoir. Da música, a lista é infindável: Sid Vicious, Iggy Pop, Bob Dylan, Tom Waits, Patti Smith, Janis Joplin, Leonard Cohen, Jimi Hendrix, John Cale, etc. E, se Keith Richards não consta dos livros da casa, é porque deve ter entrado disfarçado de dragão ou enrolado numa mortalha.

Ok. Vamos concentrar-nos nestes nomes: Vicious, Hendrix, Joplin, Iggy. Exactamente. O Chelsea Hotel era o último sítio onde quereríamos ver os nossos filhos. E o sítio onde eles mais gostariam de ir.

No fundo, cada tempo tem a terra prometida que merece. E o louco século XX, que chutou para canto metafísicas e religiões, cheio de fé nas capacidades dos homens e das coisas deste mundo, foi desembocar à Rua 23, adorar um lugar sagrado onde não havia estátuas de santos, é certo, mas que estava pejadinho de gente a fazer por ficar pedrada para todo o sempre.

Com o beneplácito do bondoso Stanley, os sensíveis artistas não se limitavam a ocupar os quartos por algumas noites; eles viviam lá a tempo inteiro, criando, dando festas, vegetando. Depois, vieram os mitos. Artur C. Clarke terá lá escrito “2001: Odisseia No Espaço” ou rabiscou apenas as primeiras linhas? Terá sido no sossego dos seus aposentos que Kerouac escreveu “Pela Estrada Fora” ou foi, como parece sugerir o título, pela estrada fora?

Entre overdoses que resultaram em hemorragias cerebrais, orgias mais ou menos mitológicas, incêndios acidentais e afins, o Chelsea tornou-se tão célebre que, obviamente, a partir de dado momento, passou a atrair, mais do que gente famosa, anónimos convencidos de que, para pertencer àquele panteão, bastava pagar a renda. E como Dylan Thomas ou Nancy Spungen, a namorada de Sid Vicious, morreram lá, não tardou a vir gente, simplesmente, para subir as escadas e cometer suicídio.

Nos anos mais recentes, o número de estrelas baixou consideravelmente. Do cinema, havia Ethan Hawke em vez de Hopper; da música, Pete Doherty em vez de Hendrix. E isso diz mais ou menos tudo.

É neste ponto decadente que Abel Ferrara vai filmar o Chelsea. O ponto em que a gerência foi entregue a outra gente, gente sem o fascínio que Stanley Brad tinha pelos criadores pop. Muita gente foi expulsa, acabou-se o regime do quarto por tempo indeterminado e acabou-se, obviamente, a magia. O Chelsea ainda lá está de pé, no número 222, mas é como se o tivessem demolido.

É esta história que Ferrara nos conta num documentário pouco sentimental, que ele não é homem disso, de entrevista em entrevista, recordação em recordação, algumas imagens de arquivo e uma ou outra recriação sem brilho.

Não é muito, mas vale por quem tem lá dentro. Exactamente como o Chelsea Hotel.

AB

i, 2011.03.10

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