era uma vez (outra vez) no oeste


INDOMÁVEL

De: Ethan & Joel Coen

Com: Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon

Há pouca gente mais talentosa que os irmãos Coen no cinema norte-americano, mas isso só se nota quando se deixam das suas teimosas idiossincrasias e se dispõem a trabalhar num filme a sério. É que há quem tenha actores-fétiche, mas os Coen preferem actores-fantoche: com maus penteados, cheios de caretas e maneirismos, tipicamente patetas, com um entendimento da comédia que a confunde com o puro e simples ridículo, das peúgas bizarras, dos fatos curtos, dos ressonos, de quem come ou mastiga pastilha de boca aberta. O que vale é que, volta e meia e sem aviso, um dos irmãos convence o outro de que os dias não estão para isso e lá sai um “O Barbeiro” ou um “Este País Não É Para Velhos”.

Assim se terá passado agora, com “Indomável”. Entre Ethan e Joel, um deles terá esbarrado no livro de Charles Portis e percebido que já havia ali humor e crueldade suficientes para um filme e que isso os dispensava de inventar. Bastava que fizessem o que tão bem sabem: filmar.

No entanto, a primeira pergunta que se põe ao ver “Indomável” é: porquê? Porquê fazer um western hoje? Um western que, ainda por cima, já foi feito em 1969 com Robert Duvall e Dennis Hopper e que até valeu um Óscar a John Wayne?

A resposta tem duas partes: por um lado, os Coen não estão a fazer um remake do filme, mas sim uma nova adaptação do livro, tendo em conta que muita coisa ficara por explorar na versão de Henry Hathaway. Por outro, porque talvez tenham decidido ser orgulhosamente contra-corrente. Mesmo em 1969, os dias já não estavam para westerns – basta lembrar que estamos a falar do ano em que saiu “Easy Rider” e que estava em marcha a revolução do cinema americano que os anos 70 consumariam. Logo, é preciso tirar o chapéu (branco) a quem se dá ao luxo de ser tão convictamente fora de moda na 2010/2011 da era CGI / 3D.

De resto, o verdadeiro luxo de “Indomável” está em transportar o seu público para esse velho oeste onde um assassinato se resolve com outro, sem julgamentos morais; onde uma bala a sangue frio dispensa juízes e advogados; onde ter “true grit”, verdadeira garra, é o valor moral definitivo que distingue os bons homens e mulheres das sinuosas criaturas que só pensam na sua própria sobrevivência.

Esta é a história de Mattie Ross (Hailee Steinfeld), uma rapariga de 14 anos a quem mataram o pai. Com o nome do assassino, Tom Chaney (Josh Brolin), cinquenta dólares e um revólver na mala, ela convence um velho marshal do Arkansas a quem a vida deixou com um só olho, Rooster Cogburn (Jeff Bridges), a perseguir sem tréguas os passos do criminoso até lhe pagar na mesma moeda. Na companhia de um terceiro justiceiro improvável, o xerife texano LaBoeuf (Matt Damon), aparentemente mais cheio de conversa do que experiência em caças ao homem, vão peregrinar pelo duro chão do oeste, onde importa seguir o rasto antes que o tempo o apague, a arma que se tem, a distância a que se dispara e outras circunstâncias que a era dos jogos de computador nunca imaginou que existissem.

Nos últimos anos, os Coen tem marcado cronicamente presença nos Óscares. “Indomável” parte como o segundo filme mais nomeado de 2010, concorrendo a um insólito número de dez categorias. Não é caso para tanto, dizemos nós, mas há uma que merece sem grande margem para discussão: a de melhor actriz secundária pelo trabalho de Hailee Steinfeld, uma miúda de 14 anos que consegue roubar o filme a Jeff Bridges, Matt Damon, Josh Brolin ou Barry Pepper. Afinal, a “true grit” é ela quem a tem. É dela que o título fala quando fala de “Indomável”.

AB

i, 2011.02.17

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