saqueadores do box-office – parte um (os piratas)
Vamos fazer uma coisa diferente. Temos dois textos para escrever sobre cinema. Sagas, para ser mais preciso. Duas trilogias, dois blockbusters; muito provavelmente, os dois maiores sucessos de bilheteira quando se fizerem as contas no fim do Verão de 2007. Pirates Of The Caribbean: At World’s End e Ocean’s Thirteen. Para quê separá-los? Escrevamos a parte um e a parte dois da mesma saga critica. Em havendo leitores suficientes, faz-se uma terceira parte lá para o próximo ano. Vamos embora.
E já que replicamos modelos cinematográficos, comecemos pelas apresentações: Zodiac, Fincher de regresso e a pedir-nos, definitivamente, para esquecer o mau jeito de Panic Room e a trazer-nos, sobretudo, o thriller-agora-a-sério-e-não-outra-vez-uma-daquelas-tretas-armadas-em-seven-curiosamente-também
-com-o-morgan-freeman que pedíamos o mês passado e nunca mais vinha. Depois., por exemplo, Trust The Man, de Bart Freundlich (exactamente, caro leitor. Essa é a pergunta. Quem?), a prova de que fazer comédias românticas tem o que se lhe diga num desastroso desperdício de ideias e actores – David Duchovny, Maggie Gyllenhaal, Julianne Moore e, já agora, Ellen Barkin, numa interessante aparição de dois minutos. Mas deixemo-la como assunto para a segunda parte desta bilogia (bilogia?).
Ok. Mais uns comerciais idiotas (é de mim ou os anúncios publicitários exibidos no cinema são, na generalidade, completamente imbecis?) e vamos ao filme.
Piratas das Caraíbas. É impressionante como se consegue fazer três filmes tão decentes apesar de se ter Orlando Bloom como um dos protagonistas, não é? Aliás, por que é que não é esse o slogan promocional do filme? Esqueçam lá o fim do mundo e o cofre do homem morto: o grande desafio de Depp, Rush, Keira & Associados é conseguir aguentar seis horas da fita quase sem que se perceba que Bloom está lá.
Não é que Orlando seja mau rapaz. Na verdade, parece um amor de pessoa, do tipo que daria o genro ideal para uma bibliotecária aposentada e um contabilista obrigado à reforma antecipada por causa da falência da empresa. Mas está a perder o seu tempo no cinema quando poderia fazer para cima dum dinheirão no circo ou nas Ramblas – vejam Orlando Bloom! O homem com menos carisma do mundo! Ou: o jovem que leva uma sova de personalidade dum boneco do Multibanco! – eu ia ver. Mais a mais, nestas coisas de famílias, já se sabe como é – já havia o Harold Bloom – e nem todos podem ser como os Lobo Antunes.
Mas vá. Em boa hora, Gore Verbinsky e equipa argumentista hão-de ter dado pela questão e ofereceram a Orlando um texto que há-de rondar as trinta deixas, com o quilate médio de um “Icem as bandeiras!” ou a espessura polissémica de um “Elizabeth!” gritado em tom aflitinho. Era, contudo, já demasiado tarde para mexer no eixo do plot e teve de se manter o amor da (essa sim) carismática Elizabeth Swann (Keira Nightley) por aquela espécie rara de amiba, pedindo ao espectador, com muito jeitinho, que fizesse o favor de acreditar.
À parte Orlando.
Pirates Of The Caribbean, a trilogia, teve, sobretudo, este mérito: recuperar a dignidade para o género “Aventura”, caída em desgraça desde Indiana Jones e uma dúzia de sucedâneos que vieram nos anos subsequentes protagonizadas, normalmente, por Michael Douglas ou Kurt Russell. Do primeiro The Curse Of The Black Pearl, em 2003, a este de 2007, passando pelo Dead Man’s Chest do ano passado, o legado desta empresa para a história do cinema é o entretenimento, a forma muitíssimo bem passada como tivemos aquelas – mais coisa, menos coisa – seis horas de acrobacias, espadas, maldições e bonanças e que, provavelmente, nos apetecerão sempre rever, das mil e duzentas tardes que alguma estação televisiva as recupere debaixo do oráculo “um filme para toda a família”. Depois, há Jack Sparrow. Depois ou antes. Em qualquer dos casos, acima. Depp paira sobre estes três filmes como se pudesse existir à parte deles. E existe. O que levanta a questão inversa: chegariam estes Pirates a lado algum sem Depp? Teria havido sequer um segundo filme se outro fosse Sparrow?
Evite-se a crueldade. Geoffrey Rush e Bill Nighy, por exemplo, não a mereceriam.
Mas At World’s End vem confirmar outros problemas da saga: a sobre-abundância de idiotia, por exemplo. Quase todas as personagens dos três filmes são idiotas e isso é exasperante. Todos os tripulantes de todos os barcos são tontinhos, palermas e o texto, ao passar por eles, jamais resiste ao gagzinho pateta. A dada altura, perguntamo-nos se a história avançaria com mais cinco pontos de Q.I. que fossem, distribuídos irmamente pelos trezentos secundários. Por outro lado, o enredo torna-se confuso sem que se entenda bem porquê ou exista sequer essa necessidade. A dada altura, já não se sabe quem está vivo e quem está morto, quem voltou à vida, quem já não pode morrer e porquê, quais são as forças em contenda, os lados da guerra, as alianças, as traições e donde saltará o próximo mito inventado na hora: a deusa dos mares, os confins do mundo, a aurora raríssima que faz não sei o quê, o mapa que nos leva não sei aonde e etc, etc, etc.
Dum modo geral, a primeira fita foi a melhor, a segunda fez uma razoável imitação da primeira e, agora, a terceira deu-se ao luxo de se aventurar um pouco mais ao épico. Fez bem. Apesar de tudo, valeu a pena ver Chow Yun-Fat (o actor a quem os americanos telefonam sempre que é preciso um oriental. Mais ou menos como Penélope Cruz com os papéis de empregada doméstica latina ou Joaquim d’Almeida com os de traficante de droga sul-americano) e Keith Richards, nuns belíssimos minutinhos de número que acabam por saber a pouco.
De resto, ficamos à espera de Sweeney Todd, com Depp de novo ao serviço de Burton. E que Bloom vá lá fazer companhia ao homem-estátua e ao anão que cospe fogo pelas orelhas. E não diga que não vai daqui.
AB
[publicado originalmente na revista Atlântico nº 28]
E já que replicamos modelos cinematográficos, comecemos pelas apresentações: Zodiac, Fincher de regresso e a pedir-nos, definitivamente, para esquecer o mau jeito de Panic Room e a trazer-nos, sobretudo, o thriller-agora-a-sério-e-não-outra-vez-uma-daquelas-tretas-armadas-em-seven-curiosamente-também
-com-o-morgan-freeman que pedíamos o mês passado e nunca mais vinha. Depois., por exemplo, Trust The Man, de Bart Freundlich (exactamente, caro leitor. Essa é a pergunta. Quem?), a prova de que fazer comédias românticas tem o que se lhe diga num desastroso desperdício de ideias e actores – David Duchovny, Maggie Gyllenhaal, Julianne Moore e, já agora, Ellen Barkin, numa interessante aparição de dois minutos. Mas deixemo-la como assunto para a segunda parte desta bilogia (bilogia?).
Ok. Mais uns comerciais idiotas (é de mim ou os anúncios publicitários exibidos no cinema são, na generalidade, completamente imbecis?) e vamos ao filme.
Piratas das Caraíbas. É impressionante como se consegue fazer três filmes tão decentes apesar de se ter Orlando Bloom como um dos protagonistas, não é? Aliás, por que é que não é esse o slogan promocional do filme? Esqueçam lá o fim do mundo e o cofre do homem morto: o grande desafio de Depp, Rush, Keira & Associados é conseguir aguentar seis horas da fita quase sem que se perceba que Bloom está lá.
Não é que Orlando seja mau rapaz. Na verdade, parece um amor de pessoa, do tipo que daria o genro ideal para uma bibliotecária aposentada e um contabilista obrigado à reforma antecipada por causa da falência da empresa. Mas está a perder o seu tempo no cinema quando poderia fazer para cima dum dinheirão no circo ou nas Ramblas – vejam Orlando Bloom! O homem com menos carisma do mundo! Ou: o jovem que leva uma sova de personalidade dum boneco do Multibanco! – eu ia ver. Mais a mais, nestas coisas de famílias, já se sabe como é – já havia o Harold Bloom – e nem todos podem ser como os Lobo Antunes.
Mas vá. Em boa hora, Gore Verbinsky e equipa argumentista hão-de ter dado pela questão e ofereceram a Orlando um texto que há-de rondar as trinta deixas, com o quilate médio de um “Icem as bandeiras!” ou a espessura polissémica de um “Elizabeth!” gritado em tom aflitinho. Era, contudo, já demasiado tarde para mexer no eixo do plot e teve de se manter o amor da (essa sim) carismática Elizabeth Swann (Keira Nightley) por aquela espécie rara de amiba, pedindo ao espectador, com muito jeitinho, que fizesse o favor de acreditar.
À parte Orlando.
Pirates Of The Caribbean, a trilogia, teve, sobretudo, este mérito: recuperar a dignidade para o género “Aventura”, caída em desgraça desde Indiana Jones e uma dúzia de sucedâneos que vieram nos anos subsequentes protagonizadas, normalmente, por Michael Douglas ou Kurt Russell. Do primeiro The Curse Of The Black Pearl, em 2003, a este de 2007, passando pelo Dead Man’s Chest do ano passado, o legado desta empresa para a história do cinema é o entretenimento, a forma muitíssimo bem passada como tivemos aquelas – mais coisa, menos coisa – seis horas de acrobacias, espadas, maldições e bonanças e que, provavelmente, nos apetecerão sempre rever, das mil e duzentas tardes que alguma estação televisiva as recupere debaixo do oráculo “um filme para toda a família”. Depois, há Jack Sparrow. Depois ou antes. Em qualquer dos casos, acima. Depp paira sobre estes três filmes como se pudesse existir à parte deles. E existe. O que levanta a questão inversa: chegariam estes Pirates a lado algum sem Depp? Teria havido sequer um segundo filme se outro fosse Sparrow?
Evite-se a crueldade. Geoffrey Rush e Bill Nighy, por exemplo, não a mereceriam.
Mas At World’s End vem confirmar outros problemas da saga: a sobre-abundância de idiotia, por exemplo. Quase todas as personagens dos três filmes são idiotas e isso é exasperante. Todos os tripulantes de todos os barcos são tontinhos, palermas e o texto, ao passar por eles, jamais resiste ao gagzinho pateta. A dada altura, perguntamo-nos se a história avançaria com mais cinco pontos de Q.I. que fossem, distribuídos irmamente pelos trezentos secundários. Por outro lado, o enredo torna-se confuso sem que se entenda bem porquê ou exista sequer essa necessidade. A dada altura, já não se sabe quem está vivo e quem está morto, quem voltou à vida, quem já não pode morrer e porquê, quais são as forças em contenda, os lados da guerra, as alianças, as traições e donde saltará o próximo mito inventado na hora: a deusa dos mares, os confins do mundo, a aurora raríssima que faz não sei o quê, o mapa que nos leva não sei aonde e etc, etc, etc.
Dum modo geral, a primeira fita foi a melhor, a segunda fez uma razoável imitação da primeira e, agora, a terceira deu-se ao luxo de se aventurar um pouco mais ao épico. Fez bem. Apesar de tudo, valeu a pena ver Chow Yun-Fat (o actor a quem os americanos telefonam sempre que é preciso um oriental. Mais ou menos como Penélope Cruz com os papéis de empregada doméstica latina ou Joaquim d’Almeida com os de traficante de droga sul-americano) e Keith Richards, nuns belíssimos minutinhos de número que acabam por saber a pouco.
De resto, ficamos à espera de Sweeney Todd, com Depp de novo ao serviço de Burton. E que Bloom vá lá fazer companhia ao homem-estátua e ao anão que cospe fogo pelas orelhas. E não diga que não vai daqui.
AB
[publicado originalmente na revista Atlântico nº 28]
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