sharon stone remixed


Em cartaz, havia dois “II” para ver: “Ice Age II” e “Basic Instinct II”. E nesta dialéctica, como se percebe instantaneamente, cabe todo o género humano. Ao primeiro, levaríamos a mulher e os filhos na tarde de domingo, os sobrinhos na de sábado, a namorada, caso ela tivesse gostado mesmo muito do original e necessitássemos de argumentos para a convencer a acompanhar-nos no visionamento da outra sequela em exibição. Ao segundo, resultando a última estratégia, iríamos com ela. Senão, iríamos sozinhos, tanto melhor, na noite dominical, depois de abandonar os sobrinhos no pátio da escola, já de mochila às costas para o dia seguinte. Ou os filhos. Ou a mulher, para a eventualidade de haver – sabe-se lá – uma reunião de pais. E mataríamos saudades de uma das senhoras com quem descobrimos os mistérios do sexo oposto, recordaríamos a aurora de 14 anos atrás, como quem houve um “Hey Jude” ou vai ao jantar de antigos alunos para rever a Vanessa, um quarto de vida real depois.
Serve a longuíssima abertura para demonstrar o contraste entre expectativa e resultado. O resultado cabe mais ou menos na seguinte palavra:
Pois.
Tive amigos que me avisaram, críticos que li, pressentimentos a garanti-lo. Todos estavam certos e mentiam. Certos porque alertavam para a desilusão. Mentiam porque falavam – pasme-se – do estrito ponto de vista cinematográfico. Comparavam este “II” ao “I” enquanto thrillers, discutindo actores, dotes de realização e argumento.
Mas “Basic Instinct”, o original, era Sharon Stone, o corpo, a atitude, o sexo, em 92. Todos os homens de uma certa geração têm com ela e, desde logo, com a fita, uma relação assim entre o terno e o perverso, lado a lado com a primeira namorada. “Basic Instinct” não era um filme; era um poster do quarto da adolescência, um apontamento importante acerca do crescimento.
O “II” não vai nem para o fundo da gaveta, nem para o bloco de notas, não tem sequer o número na agenda do telemóvel. Quase década e meia depois de muito thriller erótico, muita tv cabo e internet, do justo conhecimento empírico, é café pequeno, coisa para meninos, desastradamente britânico lavadinho, com menos sexo que um episódio de novela, menos desejo que um videoclip MTV. E Sharon está escondida atrás do botox, invejosa das Jessicas Albas e Simpsons de agora, negligente de que as ensinou a seduzir.
Como filme? Como filme nem é mau de todo.
AB

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