um problema de pele


É uma morte anunciada, a da película. A substituição da projecção clássica pela digital é apenas mais um passo no processo de desmaterialização em curso. Desapareceram cartas, gira-discos, álbuns de fotografias – até os amigos se tornaram, ao que parece, copyright do Facebook.

O digital traz vantagens tremendas ao cinema: é incomparavelmente mais barato, mais rápido e mais prático. Se na comparação com a película perde em qualidade final– e perde – a verdade é que a) pouca gente dará pela diferença; b) permite fazer mais filmes, mais takes, mais experiências, mais invenção, chegar mais longe, mais depressa e a mais pessoas.

A título pessoal, no entanto, lamento a redução da película a relíquia de cinemateca. Lembro o dia em que o projeccionista se esqueceu duma bobine e tornou o filme de Jarmusch ainda mais incompreensível e o outro em que uma fita simplesmente ardeu diante duma plateia perplexa. Lamento o fim dos sinalinhos ao canto da tela alertando para a urgência de mudar a bobine. E lamento, acima de tudo, que o digital até seja mais cru e fiel ao real. Lamento o fim da irrealidade, dessa imagem mais-que-perfeita da película. A pele mágica do cinema que nos deu, todos estes anos, a ilusão de que a poderíamos tocar, fazer sangrar vilões e acariciar o rosto das estrelas.

AB

i, 2010.09.15

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