há sequelas à altura do original? há, mas são verdes
SHREK PARA SEMPRE
De: Mike Mitchell
Vozes: Mike Myers, Eddie Murphy, Antonio Banderas
Há, mas são verdes. Era a resposta de Alfredo Marciano, aliás, Herman José, à pergunta de Vítor de Sousa “Há mesmo extraterrestres?”. Serve esta breve homenagem / roubo de um bonito sketch dos idos de 90 para começar a conversa em torno do quarto “Shrek”.
“Shrek” começou bem, desconstruindo os contos de fadas e elevando ogres e burros à categoria de bichos ternurentos onde até ali só cabiam animais de pequeno porte e um ou outro gamo. No segundo volume, fez, se possível, ainda melhor, com a entrada em cena dum Gato das Botas que falava com a voz de Antonio Banderas e emborcava garrafas de leite ao balcão para curar a depressão. Mas, à terceira investida, esticou demasiado a corda e espalhou-se ao comprido. Já nada tinha a dizer, a desconstrução estava esgotada e já não era sequer capaz de sacar da manga outra personagem que nos distraísse da vulgaridade essencial. Acentuava-se a percepção de que todas as boas deixas estavam entregues ao Burro e ao Gato, e Shrek arrastava-se como protagonista cinzento, desagradável, cujo destino não nos interessava já absolutamente nada.
Com o quarto filme a gerar menos expectativas que um livro de memórias de uma freira carmelita, eis que Shrek se reergue para acabar com dignidade. Não estará exactamente ao nível dos dois primeiros (bem sei que o título o diz, mas a vontade de fazer a piada foi mais forte que a verdade), mas não deslustra. Já não tendo como surpreender, adere à moda da estação, o 3D – e fá-lo bem, o que não sido assim tão frequente quanto isso – e desiste de tentar seguir uma estrada que já não levava a lado algum. Antes, volta ao início e começa de novo.
Shrek está farto de ser um ogre domesticado, casado e pai de filhos. Por isso, choraminga sobre a vida que perdeu, quando todos o temiam e bastava um urro para pôr aldeias em fuga e ficar com tudo para ele. Anda ele nestas cogitações nostálgicas quando a solução aparece: um pequeno feiticeiro chamado Rumpelstiltskin faz-lhe uma oferta: um dia, fora do tempo, para viver como ogre, livre de obrigações familiares e sociais. Em troca, Shrek dar-lhe-á uma coisa muito simples: um dia qualquer do passado, um daqueles dias na infância em que não aconteceu nada de especial e de que já nem se lembra. O ogre aceita e, mal assina, é catapultado para a floresta: é de novo livre, temido e pode tomar os banhos de lama que quiser.
Mas – já todos o perceberam sem ter visto ainda o filme – Rumpelstiltskin não é de confiança. Chegado ao reino de Far Far Away, Shrek vê que, no Palácio, não vive a sua querida Fiona, mas o feiticeiro. É Rumpelstiltskin quem reina, escoltado por um exército de bruxas. Os ogres tentam organizar uma resistência clandestina e nenhum dos amigos de Shrek o reconhece – incluindo Burro, Gato das Botas e a própria Fiona. Que aconteceu? O dia perdido na infância que Shrek deu ao feiticeiro foi o dia em que nasceu. Isto é, neste novo mundo, completamente alterado pela alteração dum pequeno pormenor – e aqui vem à memória a fascinante lógica das viagens temporais de “Regresso Ao Futuro” – Shrek nunca existiu. E, por isso, Fiona nunca foi libertada da maldição de ser princesa de dia e ogre de noite. Shrek vai ter de começar tudo de novo, percorrer toda a escala social, recuperar os amigos, reconquistar a princesa. E neste truque engenhoso reside a salvação da saga: se já não podia seguir em frente, volta atrás.
É claro que poderá parecer pescadinha de rabo na boca, mas, antes terminar como se começou, do que sair como Shrek sairia no terceiro volume: pela porta do cavalo. Vá, do burro.
AB
i, 2010.07.08
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