uma boa semana para ler um livro

ELA É DEMAIS PARA MIM

De: Jim Field Smith

Com: Jay Baruchel, Alice Eve, T. J. Miller

Bem sei que desse lado da página há filmes em atraso. Que se sofre, semana a semana, quando os filmes x e y ficam reduzidos a uma sala, num horário manhoso que bate com a reunião, o ginásio, o jantar, até saírem de cartaz. E que, a cada quinta-feira, se acumulam mais e mais coisas que quer ver e, logo, mais e mais angústia. Mas ainda há esperança. É que esta é daquelas semanas em que as distribuidoras nos dão uma trégua para ver se as apanhamos. Ou seja: não estreia nada que se aproveite. E a semana passada foi parecido. Aproveite porque, graças a Deus, não é sempre assim e, na próxima quinta, já estreiam oito – sim, oito – filmes, incluindo (finalmente) “Shirin”, de Kiarostami. Se, por outro lado, está em dia com tudo o que queria ver, então, tem aqui sete noites para ler, ver séries, fazer sudokus até à loucura, plantar leguminosas no Farmville ou, vá, dirigir a palavra à família.

Hoje, estreiam “Ela É Demais Para Mim”, “Marmaduke” e “Plano B… Ebé”. São títulos que falam por si. Cada um merece um “dois”, o que, na escala cá de casa, quer dizer que, apesar de tudo, ainda podiam ser piores, mas que estão tão longe do bom como o Belenenses de voltar a ser campeão. Depois de aturada reflexão, decidimos que dedicaríamos mais tempo de antena a “Ela É Demais Para Mim”, ainda que continue a ser filme de menos para si.

E o que há a dizer sobre “Ela É Demais Para Mim”? Que não é tão mau como título, trailer e sinopse possam dar a entender. A história é simples, demasiado. Um rapaz feio, mal sucedido e muito pouco confiante dá por ele a namorar com uma rapariga linda, doce e rica. Qual é o truque? Não há. E aqui começam os problemas. Molly, a moça extraordinária, apenas anda com Kirk porque está cansada de tipos do seu campeonato que esperam demasiado dela. Baixando a fasquia, terá um companheiro tão grato que jamais terá o desplante de se decepcionar. Convenhamos que é um argumento fraquinho, argumento fraquinho esse que, ainda por cima, não sofre qualquer evolução até final, exceptuando o facto de Molly dizer que, a dado passo, se apaixonou mesmo por Kirk, coisa que não percebemos quando e como aconteceu exactamente.

Ora, filme onde os problemas começam logo na storyline, isto é, nas duas ou três frases que resumem o essencial da ideia, está, à partida, condenado. Mas aqui emerge o talento de Jay Baruchel que consegue segurar a personagem de Kirk e fazê-lo o primeiro Zé-ninguém carismático da História. Em vez de clownesco, é autêntico; em vez de caricatura de falhado, é um falhado real, consciente e sincero. E isso dá-lhe a espessura que o torna maior que a beleza e bondade irreais de Molly, aliás, Alice Eve, a miúda inglesa que faz o favor ao público masculino de aparecer em “Sexo E A Cidade 2” e dar-nos os únicos instantes de alegria naquele louco sonho consumista do sexo oposto.

O resto do filme vive do confronto de Kirk com o que a vida lhe foi até ali: um grupo de amigos falhados, uma família pacóvia e uma ex-namorada insuportável. Não cabe na cabeça de nenhum deles como foi que Kirk sacou Molly e é dessa perplexidade que nascem todas as piadas, as boas, as más e as que o elenco, simplesmente, não é capaz de entregar. Algures aí no meio, vem a teoria fundamental do filme: que um tipo que é um cinco não pode conseguir uma miúda que é um dez. Um cinco saca, na melhor das hipóteses, um sete – é uma lei da vida: não é possível saltar mais de dois níveis.

No fundo, esse é todo o drama de “Ela É Demais Para Mim”: é um duas estrelas. Logo, não pode despertar o seu interesse, você que está desse lado da página e é um cinco.

AB

i, 2010.06.17