uma lição de amor do maior romântico do mundo

TETRO

De: Francis Ford Coppola

Com: Vincent Gallo, Alden Ehrenreich, Maribel Verdú

Depois de todos estes anos, da ascensão e da queda, Francis Ford Coppola continua exactamente o mesmo – não aprendeu nada com o fracasso. Ainda bem. Continua a ser o maior romântico do Cinema, o mais lírico de todos os directores. A carreira ruiu-lhe por fazer só os filmes que queria, como queria? Teve de passar anos a fazer os filmes que não queria para pagar a dívida que contraiu a fazer o que bem lhe apeteceu? Pois bem. Agora que as contas devem estar finalmente pagas, Coppola volta a fazer o que lhe dá na gana. Bendito seja. Tem esse direito mais do que ninguém.

É isto que nos vai na cabeça durante “Tetro” inteiro. E é por isso que “Tetro” é importante. É perverso, porque qualquer filme deve valer por si só e “Tetro” tem qualidades para isso, mas só um extraterrestre olharia para ele sem pensar em Coppola, naquilo por que passou e, já agora, naquilo que o nosso amor pelo cinema deve ao realizador dos três “Padrinho”, de “Apocalipse Now”, “One From The Heart” ou “Rumble Fish”.

É justamente “Rumble Fish” a memória que mais ecoa em “Tetro”. No preto e branco, nas episódicas explosões de cor, na história de dois irmãos. Em 1983, Rusty / Matt Dillon sonhava ser como Motorcycle Boy / Mickey Rourke; em 2009, é Bennie / Alden Ehrenreich quem cresce à sombra ausente de Angelo / Vincent Gallo.

O filme acontece na Argentina, onde Bennie aproveita uma escala da Marinha para descer e procurar o irmão, fugido à família anos antes, com a promessa por cumprir de, um dia, voltar para o ir buscar. Tudo quanto Bennie fez na vida, nos seus curtos 17 anos, foi feito em nome desse irmão mitológico, poeta promissor, saído da casa do pai para escapar à sua sombra tremenda. Por isso, no primeiro momento em que o encontra, ele é ainda isso, a imagem viva, ligeiramente envelhecida, da sua memória. Mas, depois, não. Depois, Angelo revela-se. Está amargo e rendido, deixou de escrever e trocou o nome angélico pelo de pequeno pai: “Tetro” é diminutivo de Tetrocini, o nome do grande maestro, o grande orientador da orquestra, o pai (tirano) de que se evadiu.

Dramaturgicamente, o filme não nos leva a nenhum lugar novo. Basta olhar a tagline promocional: “todas as famílias guardam um segredo”. Igual a qualquer novela. Mas a verdade é que, quanto ao assunto, o Drama não inventa nada desde a Tragédia Grega – o que importa é como se faz, como se diz. E Coppola di-lo de modo inteligente, desvendando, a pouco e pouco, o passado, iluminando os enigmas iniciais, sempre mantendo no ar uma tensão perigosa, entre a maternidade e o incesto, entre Tetro, a sua mulher Miranda (Maribel Verdú) e Bennie.

Mas, do ponto de vista plástico, “Tetro” é uma obra de arte, um fresco a cada fotograma, a prova de vida dum mestre que não hesitou em classificá-la como o seu “mais belo filme de sempre”. E “Tetro” é belo. Para alguns espectadores, isto não chegará; para outros sim; Coppola seguirá em frente, de qualquer maneira.

“A Noite”, de Antonioni, e “Há Lodo No Cais”, de Kazan, serviram de inspiração à fotografia.. Tetro esteve para ser Matt Dillon, mas isso colá-lo-ia demasiado a “Rumble Fish”. O quase estreante Alden Ehrenreich é uma notável surpresa, descoberto por Spielberg numa festa, de quem ainda muito ouviremos falar. E o filme é, enfim, muito mais que o decepcionante “Uma Segunda Juventude”, dois anos atrás.

Aos 31 anos, Francis Ford Coppola já tinha um Óscar pelo argumento de “Patton”. Meia dúzia de anos depois, dizia-se dele que tinha salvo o cinema americano. Aos 70, vive uma segunda vida e continua a arriscar. Só temos que lhe estar gratos. E aprender enquanto ele dura.

AB

i, 2009.11.19

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