a astrologia segundo o oráculo de abrams


STAR TREK

Realização: J.J. Abrams

Com: Chris Pine, Zachary Quinto, Eric Bana


Não sei se o leitor partilhará deste sentimento, mas, lá em casa, de cada vez que se ouve falar de remakes, prequelas e revisitações em geral de clássicos do cinema, treme-se de medo. Os mágicos, profissionais que me merecem tanto respeito como as esteticistas, tiveram pelo menos a virtude de aprender, há muito, uma lição importante: nunca repetir os truques. Nos filmes, não é assim. De Indiana Jones à Guerra Das Estrelas, para citar exemplos recentes, o resultado foi – termo técnico – poucochinho. Com a agravante de serem obras mexidas pelos próprios autores, Spielberg e Lucas. Com o pudor que eles não tiveram para com o seu legado, muitos fanáticos limitaram-se, simplesmente, a fechar os olhos, e qual brigada de trânsito, a condescender com um “desta vez passa. Mas que isto não se repita”.

Star Trek corria riscos terríveis. Por um lado, nunca foi tão amado como a dita Guerra Das Estrelas; por outro, tem uma legião de seguidores loucos que atende pelo nome de trekies e que, calculo, não lhe perdoará uma liberdade criativa. Captain Kirk e demais, nunca tiveram o humor e a capacidade de fazer sonhar de Han Solo, sabres de luz e família Skywalker, mas Star Trek tinha umas trevas, uma claustrofobia, difíceis de repetir. Mais: padecia do problema de não ter um autor. Passou de mão em mão, foi da televisão para o cinema, do cinema para a televisão, teve gerações posteriores e anteriores, até acabar numa colecção confusa em que a nossa grande memória consiste nas orelhas pontiagudas de Mr. Spock.

Contra todas as apostas, Star Trek, o novo, sem subtítulos, é um belíssimo filme de ficção científica, acção e drama espacial, que serve tanto aos conhecedores como àqueles que só agora sejam apresentados à série.

Pela mão do realizador J. J. Abrams, estrela em ascensão desde Lost, e dos argumentistas responsáveis por produtos não consensuais como Mission Impossible III ou The Island, Star Trek pisa caminhos perigosos, passa mesmo junto ao acidente e salva-se sempre.

A história leva-nos para antes da mítica Enterprise. Numa abertura tensa e ágil, dá-nos a vida, a morte e os pecados originais que sustentarão todo o filme e os próximos volumes que, decerto, por aí virão. De seguida, percorre os caminhos cruzados dos jovens James Kirk, Spock, Scotty, Dr. Bones e restantes. E, por fim, saca um truque da manga – dos tais que Copperfield aconselharia a não repetir – que liberta a nova saga da obrigação de respeitar, passo a passo, as peripécias da matéria original: uma brecha no contínuo espaço-tempo, com regressos ao passado e ao futuro que alterarão, para sempre, o decurso dos acontecimentos.

É verdade que há umas piscadelas de olho aos adolescentes. Chris Pine, o jovem Kirk, é uma personagem estereotipada, rebelde sem causa e mulherengo que faz melhor que os outros porque não segue as regras (bocejo). Que as meninas se passeiam de mini-saia na nave, coisa, certamente, muito útil no Espaço sem gravidade. E que faz, em geral, uma certa confusão ver a novinha Enterprise entregue a tão grande percentagem de imberbes. Mas Zachary Quinto (grande nome, a propósito), o Sylar de Heroes, convence, minuto a minuto, como Spock. E há Winona Ryder com rugas, um magnífico Eric Bana como vilão e, um pequeno doce: Leonard Nimoy, o próprio senhor Spock, a esbanjar carisma.

Não sei que pensarão os trekies. Não sei que pensará a facção gosto-de-jogos-de-computador-por-isso-acho-A-Múmia-um-ganda-filme. Mas há uma inteligência, um arrojo e um certo travo a coisa à moda antiga neste Star Trek de Abrams que merece, no mínimo, umas quantas estrelas do tal Espaço onde nenhum homem alguma vez entrou.

AB

i, 2009.05.07

Comentários

Tiago Ramos disse…
É precisamente nesse piscar de olho aos adolescentes que acaba por prejudicar o seu desempenho...
castor disse…
grande, filme. mesmo grande.

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