anita no vaticano
ANJOS E DEMÓNIOS
Realização: Ron Howard
Com: Tom Hanks, Ewan McGregor, Ayelet Zurer
Nunca percebi bem o alarido à volta de O Código Da Vinci. Talvez se prenda com o seguinte: como sabemos, há uma imensa maioria que não lê ou que só o faz com a regularidade com que passa o cometa Halley. Vai daí, quando essa massa lê, de facto, um livro, considera o evento tão extraordinário que desata a falar dele ao mundo inteiro. “Li um livro! O Código Da Vinci! Tens de ler, pá! Se eu consegui, tu também consegues!”
Agora, depois de anos de filmes, documentários, teorias sobre a Mona Lisa e uns poucos milhares de sucedâneos literários, chega ao cinema “Anjos E Demónios”, a adaptação da obra anterior de Dan Brown, mas que o filme trata como sequela. A febre dificilmente se repetirá – imagino que seja como o sarampo: apanha-se uma vez em pequenino e fica-se imune – mas dará, certamente, para mais umas quantas capas de revista.
“Anjos E Demónios” começa na Suíça. No acelerador de partículas do CERN, os cientistas conseguem algo inimaginável: produzir uma amostra de anti-matéria. Como sempre acontece nos filmes, a coisa que não pode cair nas mãos erradas cai nas mãos erradas. No Vaticano, morre o Papa e são raptados os quatro cardeais preferidos à sucessão. Robert Langdon, maldito na Praça S. Pedro pelas peripécias do filme anterior, mas respeitado especialista em simbologia, é chamado a ajudar e, rapidamente, descobre que todos os acontecimentos estão ligados e que quem está por detrás de tudo é – digam comigo – uma organização secreta. Há 200 anos, os Illuminati teriam querido injectar demasiada Ciência na Igreja e a Igreja mandou-os passear. Agora, eles voltam para a vingança: vão matar, um por um, hora a hora, os cardeais raptados e, depois, fazer explodir o próprio Vaticano com a mais recente jóia da coroa da Ciência: a anti-matéria roubada na Suíça. Felizmente, têm a amabilidade de deixar charadas que, Langdon, é claro, resolverá. Afinal, foi para isso que as pessoas pagaram o seu bilhete.
“Anjos E Demónios” é melhor que “O Código Da Vinci”, mas isso não é grande proeza. É mais consistente, menos teórico e os enigmas, apesar de tudo, são um bocadinho mais complexos que os de “O Clube Das Chaves”. Mas os pecados capitais continuam todos lá.
Nunca li Dan Brown, mas, se os filmes lhe fazem justiça, os problemas começam nele: não é um homem culto. Não pode ser um homem culto, mas quer, à força toda, que pensemos que é. Há muito episódio de muita série de televisão com mais investigação que a que ele faz para um romance inteiro. Os temas religiosos, a Paris e a Roma que ele explora nestas obras, até poderão parecer muito exóticas a um americano pouco viajado, mas, para um europeu de matriz cristã, são, inevitavelmente, entediantes. Poderá não ser assim, mas a sensação que fica ao ver ambos os filmes é que Brown foi uma vez a Paris, outra a Roma, leu meia dúzia de livros e desatou a escrever. Em Paris, era o Louvre e a Mona Lisa; em Roma, o Vaticano e a Piazza Navona. Se viesse a Lisboa, enfiava o mistério num lugar muito enigmático, muito pouco conhecido: o Marquês de Pombal.
Depois, há coisas que, simplesmente, não fazem sentido. O Vaticano não chama um professor americano que, ainda por cima, odeia, para lhe explicar a sua própria História. Esse professor pode parecer um génio aos anglo-saxónicos quando descobre que a pista fala de um anjo e que há um lugar que se chama “d’angelo” e que “angelo” quer dizer “angel” e que, por isso, é lá que está o que eles procuram. Mas isso - e quase todos os mistérios da trama se resolvem assim – é por de mais evidente para qualquer latino.
Robert Langdon não existe como personagem; é uma soma simples: Tom Hanks + o cabelo de um doador anónimo + as coisas que Brown aprendeu na meia dúzia de livros que leu. Por isso, o resultado final de “Anjos E Demónios” é um razoável policial, intercalado com longos monólogos sobre conspirações religiosas, para garantir que o público percebe o que está a acontecer. Salva-se Ewan McGregor, que é o único tipo do mundo que consegue ser tão convincente a fazer de bomba sexual como de padre penteadinho.
AB
i, 2009.95.14
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