o mistério da cultura

Nada é tão politico e, simultaneamente, tão irredutível à política como a cultura. Numa rápida viagem mental pelas grandes figuras artísticas do mundo, não vislumbramos, assim de repente, qual delas tenha tido vida politica activa. Shakespeare, Oscar Wilde, Proust, Dostoievsky, Picasso, Mozart, escolham um nome. Ou, resumindo-nos à esfera nacional, não consta que Fernando Pessoa tenha sido secretário de Estado, Camões candidato ao trono, que Paula Rego aspire a presidir a alguma câmara municipal. Os artistas, de cuja obra se ocupa a tutela ministerial, são tendencialmente avessos ao poder, a este tipo de poder, o poder temporal, sobretudo porque aquilo a que aspiram é – paradoxo evidente – a intemporalidade.
A cultura, com ministério próprio, começou em Portugal em 1995. Eram os anos do optimismo guterrista e havia dinheiro para patrocinar a visão de Manuel Maria Carrilho. Quando ainda andava longe das revistas cor-de-rosa e dos debates com Carmona Rodrigues, Carrilho habitou o Palácio da Ajuda durante cinco anos e, justiça lhe seja feita, seria o único titular da pasta a quem se reconhece, até hoje, uma qualidade que não deveria ser tão rara: tinha um plano, um programa, uma ideia para aquilo que deveria ser a cultura em Portugal.
Depois, vieram José Sasportes, Augusto Santos Silva, Pedro Roseta, Maria João Bustorff e Isabel Pires de Lima. Se fosse um filme, chamar-lhe-íamos Hollow Men, Os Homens Invisíveis; como se trata da vida real, chamemos-lhe, simplesmente, tragédia.
Agora, chega ao lugar José António Pinto Ribeiro. E a Cultura que começou com um filósofo é, finalmente, entregue a um advogado.
É um pouco como nos divórcios ou funerais. Uma vez morta a ilusão, entregam-se os bens a um especialista que saiba fazer as partilhas, da forma menos dolorosa para todos.

AB

[publicado no MEIA HORA de 01.02.08]

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