Banhada de Sangue
Sylvester Stallone dobrou os 60 anos e anda a despedir-se das personagens que lhe deram fama. Depois de Rocky Balboa, também John Rambo não escapa à melancolia do actor/realizador mas se o regresso do pugilista ainda deu um filme razoável, dificilmente o mesmo pode ser dito do super-soldado. "John Rambo", quarta fita da série, não é mais do que uma enorme banhada de sangue. E de vísceras, membros decepados e ultraviolência afins, cozidos por um fio narrativo que só com muita benevolência poderá considerar-se um argumento.
E engane-se quem esperava que Rambo saísse da sua reforma de 20 anos para ir caçar terroristas islâmicos, ou mesmo Osama bin Laden. O soldado de chumbo preferido dos americanos que acham que a Constituição lhe dá direito a ter um arsenal militar em casa volta à acção para uma acção humanitária em plena Birmânia (ou Burma, ou Myanmar, a escolha é sua). Rezam as crónicas que Stallone telefonou para as Nações Unidas e para a revista Soldier of Fortune (nada como ouvir os dois lados...) e perguntou: “Que zona do mundo tem o menos conhecido, mais violento e devastador abuso dos direitos humanos?”. Resposta: a guerra civil que grassa em Myanmar há mais de 60 anos, na qual a tribo Karen, que luta pela independência, é vítima de brutalidade genocida por parte das forças governamentais.
Devidamente elucidado, Sly passou então à acção. Retirado do campo de batalha, John Rambo é agora um modesto caçador de cobras na selva tailandesa que sai do seu descanso quando um grupo de missionários aluga os seus serviços – e o seu barco – para tentarem chegar a Myanmar, onde irão prestar auxílio humanitário aos Karen. Depois do serviço feito, os missionários – que incluem, logicamente, uma mulher, Sarah, interpretada por Julie Benz, da série "Dexter" - são obviamente capturados pelos brutais soldados birmaneses e sujeitos a sevícias várias. Está na altura de John Rambo, devidamente acompanhado por um bando de mercenários, fazer sangue. E, acreditem, é isso que ele vai fazer. Em quantidades industriais, é claro. Se em Rambo III, o filme anterior da série, a percentagem era de 2,59 mortes por minuto, a contagem aqui não deve andar muito longe. Com a “vantagem” ultrarealista: espero nunca ter de ver um ser humano a explodir em mil pedaços mas acredito que seja como Sylvester Stallone mostra neste "John Rambo". Se isso vale um filme, é outra história.
Paulo Narigão Reis
(Texto publicado na revista Focus)
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