A visão operática de Aronofsky

Custa-me escrever sobre este homem. E não é por ser casado com Rachel Weisz. Custa-me porque gosto bastante da sua obra. E sei que sou tendencioso.

Comecei por Requiem for a Dream, no Cine222, uma tarde, por acaso. Tomou-me de arrasto e arrastando-me emergi de novo à luz do crepúsculo, com a música de Clint Mansell e Kronos Quartet. Comprei-a nesse mesmo dia. Atordoante e assombrosa, como o filme todo.

Depois há o Pi. Esse mesmo, 3,14159265 por aí fora. Magnífico.

Daí que quando ouvi falar do projecto Aronofsky, The Fountain tenha esperado o melhor. Mesmo tendo acompanhado a novela amplamente difundida na comunicação social, sobre alteração dos protagonistas originais - Blanchett e Pitt - por Weisz e Jackman, a redução dos custos megalómanos e a renegociação total do projecto com o estúdio, mantiveram-me leal ao filme e às minhas expectativas.

Perdi-o na ante-estreia nacional, no penúltimo dia do Fantas deste ano mas não o perdi no passado fim-de-semana, no único cinema onde está em Lisboa.

Apenas uma sala é sintomático do que se pensa sobre o último delírio Aronofsky. Por outro lado gostaria de recordar (e isto acompanhou-me pela sala dentro) que o próximo projecto de Malick se chama Tree of Life. É Malick, a Rhodes Scholar e meu ídolo de bolso, estamos conversados.

Claro que Aronofsky não é Malick. Onde um é contenção o outro é loucura. Onde um é deslumbramento sobre a Natureza, o outro é Deslumbramento sobre o Espírito. Ao filme, então.

The Fountain, traduzido com brilhantismo por Último Capítulo (para quando a reintrodução da censura prévia, pergunto-me) é um filme complicado. Desde logo porque há um traço característico do realizador que se mantém ao fim da sua terceira longa metragem: saio do filme como se tivesse levado uma pedrada. E levei.

Aparentemente há apenas três níveis narrativos no filme: o momento passado da conquista espanhola, o momento presente do brilhante investigador e a sua moribunda mulher, e o momento intemporal em torno - físico - da Árvore da Vida.

O filme encomenda a sua alma à tradição judaica-cristã, lembrando Génesis e as suas duas árvores. A Árvore do Conhecimento e a Árvore da Vida. Diz-se que pela Árvore da Vida se chegaria à vida eterna. E é, afinal, da Vida Eterna que se trata. Aronofsky, numa estrutura que sempre me lembra Eco vai polindo a busca, entre intriga clássica e semiótica avançada, até ao desenlace final.

Porém, a uma visão operática de Aronofsky que o embeveceu demais, que o atormentou demais fê-lo perder a noção de quem o pode acompanhar. Acontece muitas vezes: a luminosidade com que vemos a Criação não encontrar reflexo perfeito na clareza da exposição. E, uma obra de arte, é tanto de criação como de pedagogia mesmo que (necessariamente) frustrada. Há sempre algo que queremos passar ao outro. Talvez não pedagogia: maiêutica.

Em The Fountain não há pedagogia nenhuma. Arrisco dizer que mesmo que escolhessemos perseguir a intriga em um só plano ainda assim a história nos escaparia. O que não é necessariamente mau, mas é de certeza cansativo e talvez um pouco frustrante. Aronofsky não está preocupado em explicar-nos, em fill in the gaps. Gaps, que by the way, ele própria cria, em alguns casos.

Como disse, isto não tem que ser mau. O épico de Aronofsky fora de ecrã, encontra-se com o épico de Aronofsky no ecrã e com a nossa própria epopeia, esforço valente, para percebermos o filme. Há algo de sedutor em todo ele. Isso ajuda. Trata-se, sublinho, de uma ópera moderna. Ópera dupla. Obra no puro sentido do termo. Operática no seu sentido moderno.

A busca pela Árvore da Vida como busca pessoal salva o filme. Mas, no mínimo obriga a que o tenhamos que rever. Como se, findo o primeiro visionamento, fosse na sua ressureição, na sua segunda vida, que pudessemos nós chegar à sua seiva.
DM

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