salas de cinema de chuto

Creio que já aqui escrevi uma vez sobre o assunto. As comédias românticas. Pessoalmente, são um guilty pleasure. É como aquela canção dos Bon Jovi de que gostamos em segredo; a incursão que fazemos, incógnitos, ao McDonald's; o episódio da telenovela ou do reality show que acabamos por seguir, sozinhos na sala, de telecomando na mão, prontos a mudar de canal caso alguém se aproxime da porta. Estão um pouco à parte do resto do cinema. Têm uma fórmula própria. São um hamburger, uma cola. Há momentos em que só nos apetece uma cola. Desesperadamente, uma cola. Fresquinha. Há crítica sobre a cola? Não. Chefs do hamburger? Nunca vi. Poderíamos seleccionar, criteriosamente, amigos distintos para um serão lá em casa, a discutir literatura, em torno dumas colas edição especial e uns McBacons que são daqui? Jamais. São as comédias românticas. Não iremos falar delas para a cinemateca; não as usaremos para impressionar o nosso sogro aposentado de 36 anos de aulas de História Contemporânea. Mas, aqui e ali, só queremos uma. Certinha, previsível, na mouche; para produzir aquele efeito, aquele sentimento específico, nada mais. Só não lhe perdoaremos que seja uma imitação. Uma daquelas colas rascas com marca branca do supermercado. A cola dá-nos cabo do estômago; a comédia romântica faz de nós umas meninas. E?
As comédias românticas são o único género de cinema a que nunca se vai sozinho. Ou se vai com a namorada ou com um fantasma. Mas alguém vai lá estar ao lado. De certezinha. E isso conforta.
Duas noites atrás, precisava, umbilicalmente, de uma. Já tinha tremores; um piscar irritante e incontrolável da pálpebra esquerda. Music & Lyrics. Estava ali mesmo, num dos oito cartazes sobre a minha cabeça. Momentaneamente, a senhora da bilheteira transfigurou-se-me na dealer. Estendi-lhe o cartão; ela passou-me, sorrateiramente, o bilhete. Corri para a sala e, aos primeiros segundos de fita, os tremores passavam, a pálpebra sossegava, um sorriso "high" tomava-me conta da expressão.
Não falemos sobre isto e aquilo, se o filme é bom ou mau. Já disse que não há críticos de Coca-Cola. Não há cocacólogos, caramba. O que importa é que não era uma imitação, uma rock-cola, fili-cola, sport-cola. Estava lá, sossegou-me e levou-me a casa.
E qualquer homem crescido sabe que há bem poucas coisas capazes de o levar a casa.

para o Domingos, que, hoje, faz anos

AB

Comentários

Excelente texto, parabéns! Sinto exactamente o mesmo em relação às comédias românticas, simplesmente era incapaz em expo-lo nestes termos!
Anónimo disse…
Muito obrigado, Shinobi. Um abraço!

Barreira Invisível Podcast