os super-heróis morreram. viva os super-heróis
Kick-Ass - O Novo Super-Herói
De: Matthew Vaughn
Com: Aaron Johnson, Nicolas Cage, Mark Strong
No início, é uma comédia adolescente que parodia comics e filmes de super-heróis. A meio, é uma reflexão sobre a apatia da consciência social e a forma supersónica como se constroem fenómenos de popularidade na era do you tube. No fim, transforma-se no que desconstruiu: num verdadeiro filme de super-heróis. Um grande filme de super-heróis.
“Kick-Ass” veio para ficar. E digo “Kick-Ass” porque é certinho como o destino que ninguém vai, alguma vez, referir-se a este filme pela tradução portuguesa. É daqueles que não encaixa, não tem género. Tem o atrevimento disparatado dum filme adolescente, a originalidade dum indie e o lado negro dum sólido thriller adulto. Vai dividir e reinar, ter detractores e seguidores fanáticos. É bom, audaz e deliciosamente alucinado. E, a partir do adn dos super-heróis e de uma óbvia paixão pelo cinema, destila o espírito do tempo.
Tudo começa num prólogo de Dave Lizewski. Dave é um miúdo normal, um adolescente a tentar afirmar-se, onanista convicto, sem nada que o distinga. Não é bonito nem feio, nem brilhante nem estúpido. As raparigas não reparam nele, não é cool, mas também não é especialmente nerd. O traço mais específico que tem é uma paixão assolapada por revistas de super-heróis. E esse é o ponto de partida para a reflexão: há tantos super-heróis, tantas revistas e tantos filmes, com tanta gente a lê-los, a vê-los e a amá-los, há tanto tempo. Por que é que nunca apareceu um super-herói real? Por que é que nunca ninguém quis fazer isso? A orfandade do mundo que levou à criação de super-heróis ficcionais é a mesma que deveria ter conduzido ao nascimento real dum desses modelos de virtudes, protector e heróico, feito para salvar e proteger. Os amigos tentam iluminar Dave: como poderia haver um super-herói real? Os super-heróis têm super-poderes, características sobre-humanas e, portanto, inacessíveis ao comum mortal. Não, diz Dave. O Batman, por exemplo. O Batman não tem super-poderes; tem dinheiro.
É claro que Dave vai criar um super-herói. Manda vir um fato espalhafatoso pela net, baptiza-se Kick-Ass e vai combater o crime. Leva grandes arraiais de porrada, é hospitalizado, mas um vídeo de uma das suas proezas captado por telemóvel vai parar ao you tube e o fenómeno espalha-se. Kick-Ass abre noticiários e passa agora muito mais tempo a falar aos fãs no site pessoal que a proteger os fracos e oprimidos pelas ruas.
Mas algo mais se passa no submundo desta cidade: o criminoso Frank D’Amico (Mark Strong) domina-o, mas alguém anda a sabotar as operações – fala-se dum tipo mascarado de super-herói. D’Amico há-de perseguir Kick-Ass. O filho adolescente de D’Amico (Christopher Mintz-Plasse) há-de perseguir Kick-Ass. Vai criar outro herói, o Red Mist, e ganhar a confiança de Kick-Ass. Mas Kick-Ass não é um super-herói; é apenas Dave, um miúdo normal, uma fraude. Então, quem anda a fazer justiça na noite? A matar os maus da fita, como nos filmes? Big Daddy e Hit-Girl, um pai de meia idade e uma filha de 11 anos, a mais improvável, tragicómica e fabulosa dupla de super-heróis dos anos 2000.
Escrito e realizado por Matthew Vaughn (“Stardust”), com a ajuda da argumentista invulgarmente bem parecida Jane Goldman, a partir da bd criada por Mark Millar e John Romita Jr., “Kick-Ass” tem momentos em que nos faz pensar se aquilo será realmente bom; se não será apenas um filme para os adolescentes fazerem a sala abanar de tanto rir. Mas, depois, olha-nos com visão raio-x, sacode-nos a dois palmos do chão e leva-nos a voar com instantes psicadélicos e qualquer coisa de tragédia. Os moralistas vão odiar.
AB
i, 2010.04.22
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