o cheiro a embuste pela manhã
GREEN ZONE: COMBATE PELA VERDADE
De:
Paul Greengrass
Com:
Matt Damon, Greg Kinnear, Brendan Gleeson
Bagdade, 2003. Quatro semanas depois da invasão, Roy Miller (Matt Damon) comanda uma patrulha do exército americano que procura as armas de destruição massiva alegadamente detidas pelo Iraque e cujas provas levaram à guerra à revelia da ONU. Miller segue as informações fornecidas pelo Pentágono, mas sai de mãos a abanar de cada raide aos pontos indicados no mapa. É um soldado sério, comprometido com o dever, mas com incómodas questões de consciência que o fazem começar a pôr em causa as ordens superiores. Mas Clark Poundstone (Greg Kinnear), o burocrata enviado por Washington para conduzir o processo de democratização do território, ordena-lhe que, em vez de perguntas, faça o seu trabalho.
Só que há mais duas peças no tabuleiro: Martin Brown (Brendan Gleeson), um velho operacional da CIA, e Lawrie Dayne (Amy Ryan), uma jornalista do Washington Post. E, movendo-se algures entre elas, Miller vai descobrindo o véu: ponto um, as informações do Pentágono acerca das putativas (termo muito da preferência de Vasco Pulido Valente que prometemos não voltar a usar tão cedo) armas de destruição massiva foram sopradas por uma fonte misteriosa e de legitimidade dúbia; ponto dois, é muito possível que não existam armas de destruição massiva nenhumas; ponto três, só por ingenuidade se pode pensar que burocratas, militares e agentes da CIA estão no Iraque movidos pelas mesmas razões e a puxar para o mesmo lado.
“Green Zone: Combate Pela Verdade” é uma espécie de compacto da Guerra do Iraque. Se, durante estes últimos sete anos, alguém esteve sequestrado, preso debaixo dum móvel pesado ou em clausura num convento de carmelitas, e precisa que lhe expliquem, em poucas palavras, que diabo aconteceu no Iraque, este é o documento perfeito. É, simultaneamente, o filme oficial do conflito e de todos os seus críticos. Isso é bom ou mau? É mais ou menos.
Do ponto de vista técnico, “Green Zone” é irrepreensível. Paul Greengrass, um britânico transformado em realizador de serviço da América pós-11 de Setembro, é um seguro de vida do cinema de acção. Para requintes artísticos, chamem outro; mas, se o problema são perseguições, explosões e caos mais ou menos ordenado, Greengrass resolve. Aqui, ao volante dum argumento enxuto de Brian Helgeland (“Mystic River”, “L.A.Confidential”), Greengrass leva-nos para Bagdade. E ainda que as notas de produção garantam que o filme foi rodado em Marrocos, nós juramos que fomos ao Iraque e voltámos para contar como se dão os combates e em que circunstâncias pacatas vivem os americanos nos antigos palácios de Saddam. A personagem de Kinnear é irrelevante e batida, mas a de Gleeson dá lastro às cenas, libertando Damon para provar, outra vez, que é um raro caso de óptimo actor dramático que também dá um óptimo herói de acção (e só muito de vez em quando pensamos se aquele não será, na verdade, Jason Bourne a cumprir serviço militar).
Tudo isto é suficiente. Não faltarão espectadores ao filme nem empolgamento às sessões. Mas é pouco para ser realmente bom. É que há americanos que ainda gostam mais de guerras que os militares: os cineastas. E a Guerra do Iraque, está visto, ainda dará muito cinema. Já vimos o bom “O Mensageiro” e, sobretudo, o excelente “Estado De Guerra”, cada qual com um ponto de vista muito claro sobre o conflito. E “Green Zone” não tem ponto de vista. Ou melhor, tem o ponto de vista que há muito se tornou numa verdade mais ou menos evidente para o mundo inteiro: que os Estados Unidos mentiram quando invadiram o Iraque a pretexto das armas de destruição massiva. Disso, arriscamos, já nem Durão Barroso deve duvidar.
AB
i, 2010.04.08
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