rés-do-chão a contar vindo do céu
ALTAMENTE
Realização: Pete Docter & Bob Peterson
Vozes: Ed Asner, Jordan Nagai, Christopher Plummer
Alguns anos atrás, era uma surpresa; agora não. Os filmes de animação deixaram de competir numa categoria à parte. Hoje, concorrem lado a lado com as fitas de carne e osso e disputam, ao milímetro, os lugares entre os melhores do ano. Deixaram de ser uma coisa para crianças para serem assunto de toda a gente.
A Disney e a Pixar eram, isoladamente, as duas maiores feiticeiras desse universo estupendo da animação. Ao juntar-se, criaram o verdadeiro dream team. Mais que aquela selecção americana de basket, comandada por Jordan, e que, apesar de tudo, às vezes – muito raramente – perdia. Ou que o Chelsea de Mourinho, que vencia sem deslumbrar. A Disney-Pixar não só não sabe perder como deslumbra sempre. Mas colocou a fasquia altíssimo. Foi “À Procura De Nemo”, foi “Wall-E”, foi “Monstros & Companhia”, foram “Os Incríveis”, foi “Toy Story” e foi, sobretudo, “Ratatui”. Obras imaculadas, perfeitas, redondas. Acontecimentos raros de cinema que recuperavam, como nenhum outro género, a primeiríssima razão de ser da sétima arte: o fascínio. O fascínio do olhar humano, esquecido da realidade por duas horas, levado em viagem por mundos que ele, espectador, jamais poderia, por si só, conceber.
“Altamente” – ou “Up”, no seu mais enxuto título original – chega às salas curvado debaixo dessa herança pesadíssima. Se arrebatar a plateia, será, à saída, apenas mais um. Se falhar, será sentenciado com qualquer coisa como um “epá… é giro. Mas o “Ratatui”…”
Se estivéssemos sujeitos aos exíguos 140 caracteres do twitter, dir-lhe-ia que: “Altamente” é bom. Vá ver. Mas não conte com nenhum “Ratatui”. Como estamos na imprensa escrita e temos 3500 letras para nos espraiar, há espaço para detalhes e análises mais justas.
Acontece algum estranho em “Altamente”. Há dois filmes lá dentro. Um é tremendamente adulto e bom. Bom não por ser adulto, mas porque é um drama sólido e porque, quase sem palavras e com uma insólita economia temporal, conta a história de um casal desde o momento em que se conhece, ainda na infância, até à velhice e morte de um dos cônjuges (Perdão, amigo leitor. “Cônjuge” é, possivelmente, a palavra mais hedionda de toda a Língua Portuguesa. Mas, de momento, ao inclemente calor de Agosto, é o melhor que conseguimos debitar). O outro filme, o que começa após 20, 30 minutos, é um registo ligeiro de aventuras, com todos os truques que o cinema de animação tem na manga para maravilhar os miúdos. Com sabor não a magia, mas a mecânica.
E é por isso que “Altamente” não é perfeito como alguns dos antecessores. Noutros filmes, os feiticeiros da Disney-Pixar (chamar-lhes cineastas seria, porventura, redutor), coseram harmoniosamente aquilo que conquistaria a criançada àquilo que interessaria a pais e tios. Mas, em “Altamente”, as costuras ficaram visíveis. O adulto vai assistir boquiaberto ao primeiro acto e desinteressar-se a partir daí. A partir do exacto momento em que, a seu lado, o sobrinho começará, finalmente, a vibrar.
Mas, afinal, qual é a história de “Altamente”?, pergunta o leitor. Não é importante. O importante é que vá ver, com os miúdos ou sem eles, porque vale a pena e, afinal, em Agosto, está sempre mais fresco no cinema que noutro sítio qualquer. Mas, se quer mesmo saber, é isto: certo dia, um velhote iça a própria casa com balões e parte em busca de um lugar mítico, o lugar com que a falecida mulher sonhava desde criança, desde que se conheceram. A partir daqui, saltam para a história um escuteiro trapalhão e uns quantos animais (de cachorros a gambuzinos). That’s it. Bom filme e boa viagem.
AB
i, 13.08.09
Comentários
O filme realmente é bom.