joaquin phoenix, um homem dividido, como todos nós
DUPLO AMOR
Realização: James Gray
Com: Joaquin Phoenix, Gwyneth Paltrow
Não há muitos filmes assim, em que se deixe a sala com a sensação instantânea de que se assistiu a qualquer coisa importante. Sabemos, na hora, que este filme andará de mão em mão, em dvd, blu-ray, no que se invente a seguir, nas mãos dos nossos filhos e, talvez, dos netos mais educados para uma relíquia chamada Cinema. Foi o último filme de Joaquin Phoenix. O último filme daquele que era, muito provavelmente, o melhor actor da sua geração.
Especula-se sobre o contrário, claro. Que o abandono da carreira cinematográfica anunciado por Phoenix em Outubro e a conversão em artista hip-hop, com aspecto de Unabomber e respondendo agora por Joaq Phoen, não passe dum embuste. De uma bem gizada manobra para converter aquele que, em tempos, era apenas o irmão mais novo de River Phoenix, num mito maior do showbizz.
Mas “Duplo Amor” não é só isto. É um dos melhores filmes de 2009 e não se pode deixar reduzir por aquele que é, simultaneamente, o seu maior atractivo. Estamos diante de um excelente drama romântico, muitíssimo bem escrito, com personagens de carne, osso e cicatrizes, conduzido por um dos mais promissores realizadores norte-americanos: James Gray.
Phoenix está metido no corpo surpreendentemente adolescente de Leonard Kraditor. Leonard é um bipolar em medicação que, depois de ver terminar o noivado, regressa à casa de família, um pai e uma mãe judeus, preocupados com a felicidade do filho e o futuro da sua lavandaria. Desde a tentativa de suicídio inicial, Leonard carrega um angst, uma dor que não se consegue agarrar, mas se reconhece. Ele é violento e doce, frágil e poderoso, alguém a pedir protecção e um engenho explosivo prestes a cumprir-se.
Até que, de repente, surgem duas mulheres. Duas mulheres antagónicas, mas não de forma maniqueísta. Duas mulheres que são as duas mulheres que todos os homens já conheceram: Sarah (Vinessa Shaw), a boa rapariga, séria e estável, que nos quer e que a nossa família quer e que, ainda por cima, é filha de outra família judia, outra família no negócio das lavandarias – a família que está prestes a fazer uma fusão empresarial com a nossa e que pensa quão bonito seria se essa fusão fosse também sentimental. E há Michelle (Gwyneth Paltrow), a nova vizinha, bela e instável, perigosa e dúbia, confusa e lânguida, que não sabemos se nos quer, que não sabemos onde nos levaria, que o mais certo é levar-nos à perdição. Quem é que Leonard escolhe? Sim, amigos e amigas, escolhe aquela que todos os homens, imbecil e fatalmente, escolheriam: Michelle, a neurótica, a impossível, a intangível, a mulher que não é para nós, mas para outro tipo de homem, e que nos vai destroçar.
“Duplo Amor” tem valores de produção baixos. Não vem para rasgar nem surpreender nem fazer milhões em merchandising, porque é impossível fazer canecas e t-shirts e jogos de vídeo com a vida real. É um drama redondo, complexo e humano, guiado pela urgência que treme dentro de Joaquin Phoenix, trespassando uma paisagem nova-iorquina que se reconhece como um bairro onde também nós crescemos. É um filme com o coração no sítio certo, onde recebemos ainda Isabella Rossellini aos 57 anos, já não a mais bela mulher do seu tempo, mas a mãe que todos os filhos têm na memória do seu código genético. E onde se ouve Amália Rodrigues cantar, do início ao fim de uma das mais importantes cenas do filme, “Estranha Forma de Vida, a canção mais que perfeita para falar de Leonard Kraditor, Joaquin Phoenix e de homens e mulheres confusos e erráticos como todos nós.
AB
i, 2009.07.30
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