a luz do cinema negro


Haverá quem prefira o suposto cinema-verdade, ou o cinema que já não quer contar histórias, ou o cinema que acredita só avançar pela sua própria negação. Mas, para todos os que pensem que o destino do grande ecrã é ainda, e acima de qualquer outro, o de fascinar, Tim Burton tem de ser eleito o feiticeiro da tribo.
De Eduardo Mãos-de-Tesoura a Charlie e a Fábrica de Chocolate, passando pela Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça ou, de modo mais explícito, em O Grande Peixe, Burton tem exposto, nas entrelinhas, a tese: a desimportância da verdade em favor do destino maravilhoso das histórias e das personagens.
A Noiva Cadáver é “apenas” mais uma dessas pequenas obras perfeitas do realizador e resultado, de resto, de um novo encontro com a sua feliz galeria de alter-egos: Johnny Depp, Burton-enquanto-actor; Helena Bonham-Carter, Burton-enquanto-mulher; e Danny Elfman, Burton-enquanto-músico.
Num cenário vitoriano, encena-se um conto de contornos clássicos: a família arruinada aceita casar a filha com o rebento da família nova-rica. De um lado, dá-se o nome; do outro, o dinheiro. Os noivos, eles próprios, não necessitam de ser tidos nem achados. Mas, ao contrário da tradição, Victor e Victoria enamoram-se ao primeiro encontro e não fossem os nervos do jovem a levá-lo à floresta ensaiar os votos e tudo teria corrido bem. Do ponto de vista cinematográfico, contudo, é aqui que o espectáculo começa: desvela-se o mundo dos mortos e, com eles, um desfile inebriante de personagens, décors, bailados, números musicais e brilhante humor negro.
Em suma, puro gozo onde apenas se lamentam os escassos 75 minutos de filme (sim, que isto do stop-motion, que é como quem diz, filmar frame a frame, há-de ser trabalhoso) e descobrem, ainda, deixas memoráveis, como aquela em que o vilão Barkis Bittern – aliás, Richard E. Grant – explicita o drama: “Pode um coração ser partido, depois de ter deixado de bater?”
AB
texto publicado na Atlântico, nº 11

Comentários

Barreira Invisível Podcast