The Greater Evil (ou o início de mais uma polémica)

Capote é um filme genial. Digo-o por referência a um único critério, um único fito de análise.

Há um momento do filme, discreto, em que Perry diz que deve haver algo de errado com eles [refere-se também a Richard, o outro assasino] para serem capazes de ter cometido tais crimes.

Há aqui um mal que se reconhece a si mesmo e que, assim, se menoriza. Um mal consciente, é um mal moral. E não há males morais, há apenas apenas uma luta entre bem e mal, ganha por este último, no caso de Perry.

Mas Truman é tomado por um greater evil. Um mal absoluto que, evidentemente, não tendo comparador, não relativiza e não se reconhece como mal. Como o poderia fazer se não há mais nada? Esse é o mal que possui Capote. Quando ele chora, na mais tremenda cena do filme, não chora, como por certo se poderá pensar, por compaixão e remorso, chora porque o exercício do seu mal acaba ali (e sim, porque nesse momento, e apenas nesse momento, se permite sentir). Ele, o mal, perdurá em Capote de uma forma incomunicável - nunca mais publicará um livro - e de uma forma angustiante - torna-se alcoólico (entre outros mimos), escolhendo esse suícidio cobarde e lento.

Claro que esta não é a história do filme. Nem a história de Capote. E quem me conhece saberá que tenho razões pessoais a contaminar a minha visão do filme. Mas é isto que me interessa: este confronto entre dois males. Um terrível mal aparente - concretizado no assassínio de quatro pessoas - mas que se explica, se justifica, se martiriza e, por fim, é expiado de forma final, com direito a audiência e tudo; do outro lado, um mal encapotado, escondido sobre o génio literário, a putativa amizade, a insinuada paixão, os vários processos da tentação mas que, afinal, consegue o seu fim, a sua história. Mesmo que com isso se consuma, consumindo depois, lentamente, o seu executor.

Este é o meu Capote.
DM

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