Foi você que pediu um filme de culto?




Um carro caminha por uma estrada deserta, derrubando cadeiras estrategicamente colocadas ao longo do trajecto. do porta-bagagens sai um homem vestido de Xerife, que inicia um desconcertante monologo sobre cinema onde, entre outras coisas, pergunta coisas tão dispares como porque razão o extra-terrestre de E.T. é castanho, ou porque é que no filme de Oliver Stone JFK o Presidente Kennedy é assassinado por um desconhecido.


A resposta? "Por Razão nenhuma", finalizando: "Senhoras e Senhores, o filme que vão ver hoje é uma homenagem à razão nenhuma" 

Está lançado o mote para PNEU (Rubber), o 3º filme do francês Quentin Dupieux (mais conhecido em Portugal por ser o DJ Mr. Oizo, e pelos seus tele-discos com o enervante marreta amarelo das calças Levi's), uma obra que passou relativamente despercebida pelas nossas salas este Verão, que já está em DVD, e que tem tanto do desconcertante e absurdo como de inteligente e corajoso. (arrisco-me a dizer que é um dos filmes com mais Balls e Bravado desde que Stallone filmou a sequência final de John Rambo.

Filmado com um orçamento reduzido (pouco mais de 500 mil dólares) e servindo-se de actores maioritariamente desconhecidos e amadores, PNEU tem um aspecto tosco, provocador e genuino, que nos faz lembrar o tipo de projecto independente que todos os alunos de cinema falam um dia em fazer, mas que raramente têm coragem para pôr em prática.

Quanto mais não fosse, só o simples facto de esta ser uma história de um pneu com poderes psicoquinéticos que se transforma num cruel assassino de estrada (com direito a flashbacks dos seus tempos felizes de pneu de carro), prometiam uma entrada garantida de PNEU para o panteão selecto de filmes de culto Tão Maus Que São Bons. Mas tal como Peter Jackson fez com Carne Humana Precisa-se, também Dupieux mais do que simplesmente abraçar o facilitismo da chunguice do terror barato (que está no filme), mostra-se um total conhecedor do género e das suas convenções, desconstruindo-as com tremenda ironia, saber e inteligência, de modo a arranjar espaço para reflectir sobre o voyerismo e a alienação dos espectadores modernos, entregando uma bofetada de luva branca ao cinema de "razão nenhuma" que hoje em dia se faz em Hollywood, e um pouco por toda a parte.

No seu melhor, PNEU parece o filho bastardo de uma noite de amor escaldante entre os Monthy Python e David Lynch, tal a quantidade de toques surrealistas e humor non-sense que o polvilham. No seu pior, este é um filme sobre um pneu assassino... o que convenhamos que já de si não é nada mau!

Uma coisa é certa: este é claramente um daqueles filmes obscuros que daqui a 20 anos vamos querer gabar-nos aos nossos filhos e amigos que vimos. (e quando contarmos essa historia, vamos dizer que foi no cinema)

MS



¶ Nota: Inicio assim, com um filme já algo antigo mas que serve de antecipação para escrever sobre o WRONG, a minha aventura no Noite Americana. 

É com uma grande honra que aceito este convite, sei que cheguei a um Barcelona de critica cinematográfica e no meio de Xavis e Iniestas (não digo o Messi, porque ainda não estou convencido que ele seja mesmo o melhor),  podem contar com uma regularidade de Dani Alves e ocasionais rasgos de nota artísticas de um Pedro Rodríguez. 

Tentarei seguir as palavras de Dylan Thomas e "não ser gentil nesta noite escura", que acredito que é a única maneira que temos para escrever sobre cinema. 

Resta-me portanto começar a falar de filmes!

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