o estranho mundo de zack


Estreias: SUCKER PUNCH – MUNDO SURREAL

De: Zack Snyder

Com: Emily Browning, Vanessa Hudgens, Carla Gugino


Porque o crítico se encontra em paragem cerebral desde que viu “Sucker Punch – Mundo Surreal”, hoje deixamo-vos com um diálogo imaginário entre o realizador Zack Snyder e o resto da malta do filme.

Zack Snyder – Malta, tenho uma grande ideia para um filme! É assim: há um grupo de miúdas giras, samurais gigantes, o exército nazi, dragões, robôs do Espaço, aviões, helicópteros, zeppelins, tiros, explosões e música aos pontapés!

Malta do filme – Hum…

Zack – Não é absolutamente genial?

Malta – É capaz de faltar aí qualquer coisa…

Zack – O que é que pode faltar? Já disse que temos miúdas giras, robôs, samur…

Malta – Falta uma história.

Zack – Uma história?! Vocês têm a certeza de que isso é importante?

Malta – Há mais de cem anos que é assim. Os filmes têm uma história.

Zack – Nã! Vocês estão a exagerar. “O Padrinho”, por exemplo. “O Padrinho” não tinha história.

Malta – Tinha.

Zack – Ai, tinha? E… hã… A “Guerra Das Estrelas”. Não ti…

Malta – Tinha história.

Zack – E o… Ok. Já percebi. Que picuinhas que vocês me saíram… Então, se é preciso uma históóória… hã… Ora, deixa cá ver… Já sei! Temos uma miúda muito boazinha que é maltratada pelo padrasto, estão a ver?

Malta – O padrasto é importante?

Zack – Aparece no início do filme e nunca mais lá põe os pés. Bom, então, o padrasto, que quer ficar com a herança da falecida mulher, interna a miúda num hospício de miúdas. Giras, claro. E está feito. Grande história, né?

Malta – Isso dá para três minutos de filme…

Zack – Ah! Pois é! Isto não é um videoclip… Chiça… Ok. Então, no hospício, as miúdas têm de receber clientes importantes e fazer-lhes as vontades, estão a ver?

Malta – Então, mas é um hospício ou um bordel?

Zack – As duas coisas. Depois, as miúdas também têm de dançar. Todas as miúdas têm de ter um número.

Malta – Ah… Portanto, é um hospício-bordel-cabaré?

Zack – Isso! Brilhante! Depois, vêm os samurais, os robôs do Espaço, os nazis, o drag…

Malta – Mas porquê?! Também estão internados?!

Zack – Melhor! Quando a miúda boazinha dança, ela imagina cenas. Durante as danças, imagina que está a dar cabo do canastro aos samurais, aos nazis, aos robôs, ao drag…

Malta – Enquanto nós a vemos a dançar…

Zack – Não! Nunca a vemos! Estão-se a passar? Para isso, precisávamos de uma miúda que soubesse dançar e isso dá uma trabalheira do cacete. Basta pormos as outras personagens a dizer que ela dança para chuchu.

Malta – Mas isso não faz sentido!!

Zack – Irra! Mas agora os filmes também têm de fazer sentido?! Já tem história, tem miúdas giras, tem explosões, tem música… O que é que querem mais?

Malta – Lógica?

Zack – F&%$±§… Ok. Então, as babes querem sair do hospício-bordel-cabaré, certo? Vai daí, aparece um guru que lhes dá um enigma, estão a ver? Elas precisam de arranjar um conjunto de cenas: um mapa, um isqueiro, uma faca, uma chave e… e… mais uma cena ou duas. Depois, penso nisso. ‘bora filmar?

Malta – Não basta a chave? Enquanto umas miúdas giras distraem os guardas, as outras…

Zack – E aonde é que eu encaixo os nazis e o dragão e o resto das coisas fixes?

Malta – Ok. E qual é a moral da história?

Zack – Opá, isso é fácil. Tenho ali umas frases muito boas sobre anjos e demónios e que o segredo é acreditar em nós, tipo livro de auto-ajuda, estão a ver?

Malta – E o que é que isso tem a ver com o resto do filme?

Zack – Essa é a beleza da coisa: não tem nada a ver. Ponho tudo em off no início e no fim enquanto o carro segue em direcção ao pôr-do-sol e está feito. Não é lindo?

Malta – A crítica vai odiar. Qualquer pessoa com dois dedos vai.

Zack – Então, rapazes, é porque estamos no caminho certo.

AB

i, 2011.03.31

Comentários

João Peixe disse…
Já disse isto em outro local, mas volto a repetir, o cinema só é arte quando tem um argumento? De preferência um argumento lógico?

Já agora desculpe a invasão.

Cumprimentos.
Anónimo disse…
Uma questão que dá pano para mangas, João, e para a qual, temo, qualquer resposta seja discutível. A minha opinião é a de que o cinema-arte já tem dispensado o argumento; o cinema-indústria não (se quisermos dividir as coisas desta forma simplista, para facilitar a conversa). Alguns autores, mais comprometidos com o cinema enquanto arte plástica ou reflexão filosófica, têm, ao longo da História, trabalhado o argumento enquanto objecto de intervenção, peça de questionamento da própria arte, reflexão audiovisual. Mas esse é um tipo de cinema que nada tem a ver com "Sucker Punch" ou praticamente todo aquele que chega às salas para o circuito comercial. Esse, o cinema-indústria, vive sempre tendo um argumento por referência, nem que seja para o desconstruir (o anti-plot é um dos modelos possíveis de plot). "Sucker Punch" não é nem cinema-arte nem tenta desconstruir o argumento clássico. Ele tem um argumento, até bastante convencional. A questão é que esse argumento é péssimo, simplório e forçado. Fica-se com a distinta sensação de ser um esforço exterior, e não autêntico, de ligar um conjunto de quadros avulsos onde realizador e equipa de efeitos especiais quiseram mostrar do que eram capazes. Os melhores cumprimentos e nada tem de que se desculpar. AB
Filipe disse…
Chorei a rir com isto... xD

Acabei de regressar do cinema há pouco após ter visto este filme e encontrei isto... Eu não achei o filme péssimo, é apenas um entertenimento engraçadito que serve para passar tempo... O maior erro do filme é mesmo esse "apresentado" no texto: o argumento ser a cereja quando deveria ser a base do bolo. O unico proposito do filme é cenas de acção que pareciam níveis de um jogo de computador. Ponto! Se fizessem só isso, o filme seria oco mas ao menos era fiel àquilo que era e sempre quis ser. Quando decidirem colocar um argumento pseudo-intelectual que se julga mais inteligente do que aquilo que é e que ainda tem aquele remate final super-lamechas de "moral da história", o filme perde identidade e fica uma mistura extremamente heterogénea de géneros.

Mesmo não sendo grande apreciador do género, confesso que as cenas de acção me divertiram (se bem que na 3ª cena já começou a cansar); gostei também da cena anterior à entrada do hospício sem qualquer tipo de diálogos. O problema é que do resto, o principal, pouco se aproveita.

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