O Quarteto já não era fantástico

As pessoas às vezes desvalorizam estas coisas, mas não me lembro de querer estacionar o carro para ir ao Quarteto e não conseguir. Antes dos centros comerciais e dos parques subterrâneos, isto, que parece pouco, era muito.

Como se costuma dizer, o Quarteto nunca foi tão bom cinema como depois de ter fechado. E isto que parece um voto de pesar, será afinal um voto de apesar. Agora que o Quarteto fechou, diga-se que o Quarteto já tinha fechado há algum tempo. Não é comum na vida pública portuguesa que tanta gente, ao fechar um cinema, fale de pulgas, de maus cheiros, do mau som, do mau ar condicionado, do écran esburacado, do bengaleiro fantasma. Mas ninguém fala de mau cinema. E ninguém fala de mau cinema porque o Quarteto dos últimos tempos sobrevivia claramente apesar do Quarteto, e escandalosamente contra a memória de quem o frequentou e frequentava. O Quarteto dos comentadores que, agora e bem, o elogiam era um Quarteto já largamente do passado, uma relíquia. O Quarteto revolucionário, das quatro salas. O Quarteto dos aniversários de bons filmes pela noite fora. O Quarteto das meias-noites. Esse Quarteto.

E é isso que fica de um cinema, e do cinema – memória, prazer, sentidos. Adolescências inteiras de prazer e interdição que escapam à escatologia terminal em que tudo aquilo se tinha tornado.

O Quarteto já não era fantástico, era bisonho. Era, de um certo ponto de vista até, o anti-cinema. Ir ao Quarteto já não era um prazer, era já só a facilidade de arrumar o carro. Roma não paga a traidores, e o Quarteto andava a trair o cinema. Ainda bem que fechou. Espero que reabra hoje mesmo.

[Publicado hoje no jornal Meia Hora]

RB

Comentários

Anónimo disse…
Amanhã, no máximo!
Anónimo disse…
Noites Longas!
Cinema dos amigis do PBF.
Cinema Otsider!
O Ministério da Cultura devia de ter vergonha, assim como a entidade que explorava a sala. Não cumpriu o acordado.
Quem paga NÒS e o PBF.

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