um pouco mais da pequena américa
Estreado entre nós um ano depois do seu lançamento nos Estados Unidos e em plena época baixa do cinema, este é um daqueles filmes que se arrisca a uma fugaz passagem pelo cartaz nacional, sem honra nem glória. The Squid And The Whale é, no entanto, muito provavelmente, uma das propostas mais interessantes do ano.
Nomeado para os Oscar na categoria de melhor argumento original – secção a que os espectadores portugueses costumam dispensar tanta atenção como a antologias de poesia finlandesa pós-moderna – o filme de Noah Baumbach tem um notável elenco que carece, contudo, de uma dessas estrelas que levam o público às salas sem sequer perguntar o que se prepara para ver. Além de ter um título que convidará apenas pais acompanhados de crianças fanáticas do Zoo Marine e uma ou duas pessoas com dificuldade em pronunciar os “L”, determinadas a enfrentar o seu handicap.
O filme que a larguíssima maioria dos portugueses vai perder é um projecto pessoal de Baumbach, seu director e argumentista, que andou quatro anos a bater de porta em porta até conseguir o financiamento, a contar do momento em que conseguira, através de um amigo comum, fazer o seu guião chegar às mãos de Laura Linney. O resultado final da obra do marido de Jennifer Jason Leigh (esta informação é, como calculam, fundamental para perceber o todo do filme) é um feliz cruzamento entre a “new weird América”, com uns toques de câmara ao ombro, muito Dogma importado para o outro lado do Atlântico, com uns ambientes sonoros e visuais a lembrar a Sofia Coppola de The Virgin Suicides (talvez não por acaso, o nome da filha de Francis Ford conste dos agradecimentos finais, bem como, de resto, o de Wes Anderson, realizador com quem Baumbach escreveu o argumento para The Life Aquatic With Steve Zissou).
The Squid And The Whale acompanha a separação de uma família disfuncional em que o divórcio se constitui como verdadeiro protagonista do drama. Bernard (Daniels), um escritor reputado em fase descendente de popularidade, e Joan (Linney), uma eventual promessa literária, desistem de lutar pelo seu casamento e o que se segue é, sobretudo, a gestão da relação com os filhos, Walt, de 16 anos, e Frank, de 12, e as suas evidentes predilecções por um dos progenitores (pai e mãe, respectivamente). Depois, têm lugar os envolvimentos de um e outro com novos companheiros, não raras vezes, a par e passo com os avanços sentimentais e sexuais da descendência.
O melhor de The Squid And The Whale reside na sua visão cínica sobre as relações, não perdendo tempo com dramas neo-realistas e preferindo a textura seca de um território irónico propício a observações bem mais interessantes do ponto de vista intelectual. Se lhe juntarmos uma óptima banda sonora, uma montagem eficaz e um magnífico leque de actores, a qualidade global está mais que assegurada. Laura Linney confirma o estatuto de primeira dama do cinema feio americano; Jeff Daniels surpreende num sólido registo dramático; e os filhos, Jessie Eisenberg e Owen Kline, sobretudo este último, o mais jovem (tem nome de estrela e tudo), amealham pontos a cada cena para a consistência final do filme. Nota de rodapé: William Baldwin está vivo. Eis a prova. Muito embora se continue a mexer muito pouco.
The Squid And The Whale só não está ao nível de outros dos seus pares actuais (os filmes de Miranda July, do próprio Wes Anderson, Alexander Payne, Todd Solondz, et cetera) por preguiça em desatar os seus próprios nós, quedando-se por final agradável, mas manifestamente insuficiente do ponto de vista dramático, ficando a sensação de que tudo continuará igual na história de cada uma daquelas personagens, se às suas vidas pudéssemos regressar, depois de correr a ficha técnica.
Mais: nos pormenores, que é, precisamente, onde este género de cinema low-cost costuma ganhar pontos, The Squid And The Whale espatifa-se de forma ou ingénua ou preguiçosa, dado que comete falhas que só podem acontecer por alguém, na sala de montagem, ter garantido: “Ninguém vai reparar…”. Destaquem-se duas: se a acção do filme decorre em 1986 e não havia orçamento, porquê tantas cenas de exteriores, rodadas a partir do interior do carro de Bernard, onde se vêem tantos (Tantos! Meu Deus!) carros dos dias de hoje, estacionados ou a passar? E a segunda: numa cena em que se quer evidenciar o desinteresse do pai pelo filho mais novo, Bernard oferece ao miúdo uma daquelas cadeiras com um tampo de secretária anexo a um dos braços, ao que o petiz imediatamente reclama ser para canhotos, quando ele é destro. Ora, o problema é que o moço (Owen Kline) é mesmo canhoto, como é por demais óbvio nas (inúmeras) cenas em que joga ténis e ping-pong.
Mas fica, apesar de tudo, o claro oásis em tempo de seca. Que é como quem diz, uma pedrada de inteligência no charco simplista dos blockbusters da silly season.
AB
texto publicado na Atlântico nº 16
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