Drive: uma ópera-prima (iii) - o argumento
A partir do momento em que estamos rendidos a Drive, em que é evidente a sua brutalidade qualitativa e sensorial, em que estamos confortáveis com a ideia de que estamos perante um magnífico filme e uma obra que poderá bem desafiar o tempo para se tornar um ícone, talvez não de culto, mas de despojamento e, logo, de ensinamento moral, então
começamos a fazer perguntas importantes. A primeira é: como raios conseguiu Nicolas Winding Refn passar de Valhalla Rising para Drive? É verdade que em Valhalla Rising já poderíamos perceber o instinto épico violento-ético de Refn mas o resto era um bocado confrangedor. É também verdade que para trás, Refn tem algumas coisas giras como Pusher e Bronson em que conseguimos perceber a sua atracção pela violência como modo de explorar a existência. Mas mesmo assim, estas promessas, estas centelhas, não explicam a alquimia que se produziu de Valhalla Rising para Drive.
Estou em crer que temos que colocar James Sallis na equação. O escritor norte-americano é o autor do livro homónimo que dá origem ao filme (e também do recente The Killer is dying, já agora). E creio que é ele que dá a disciplina e a liberdade a Refn. Essa combinação, com os restantes ingredientes, do qual Los Angeles é talvez o mais importante.
James Sallis tratou de criar mais um dos seus policiais existencialistas negros, como os críticos gostam de lhe chamar e o resto é tratar de ver pelo olhos de Refn as obsessões de Sallis. Juntou-se a fome com a vontade de comer porque dois dos pontos fortes de Drive são dois pontos em comum nos gostos e obras de Sallis e Refn: a violência (gráfica e linguística) e uma certa poesia (a)moral.
Mesmo que nunca venhamos a ter nova incursão cinematográfica na vida de Driver, pelo menos Sallis dá-nos o gosto de saber dele novamente: está anunciada para 2012 a continuação de Drive, o romance Driven.
Refn utiliza bem as vantagens de um argumento adaptado: uma estrutura adquirida sem esforço, uma forma para moldar aos caprichos da realização. Daria também uma bela alegoria para defender o constitucionalismo, exemplificando como as regras libertam.
Ao argumento Refn juntou um banda sonora magnífica, uma visão de LA que é completamente operática, na sua grandiosidade abstracta, de suporte à vida, um bom elenco, com dois óptimos protagonistas, e um tempero de luxo: a violência e os carros (dá sempre certo, pense-se no Crash de Cronenberg).
DM
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