Drive: uma ópera-prima (ii)
A partir de certo momento, a impressão que me havia surgido nos primeiros minutos do filme, tornou-se uma ideia clara no meu espírito, flutuando algures entre mim e a tela: assistia a uma ópera. Está lá o drama, está lá a violência, está lá a música, está lá a atenção aos detalhes: o guarda-roupa, os carros, o aprumado mise-en-scene, a cadência narrativa. E se é verdade que se podia obstar com o facto de que os protagonistas não cantam o seu libreto, gostaria de contra-argumentar que há muitos modos de cantar.
Há a palavra dita com música, há o silêncio musicado. Não sejamos ortodoxos, fundamentalistas. Aceitemos o compromisso: chamemos-lhe ópera atípica.
Os tipos, em boa verdade, estão lá todos. É o modo como são combinados pela realização. É o contra-kitsch. Há um propósito de ser prisma e ser obra-prima em todos os espectros da luz.
Esse propósito artístico é o que primeiro chama a atenção em Drive. Percebemos rapidamente que há uma vontade - que nunca é presunção - de fazer uma obra, um objecto artístico. Assumido.
É esta vontade que nos leva até à associação operática: a sensação de que estamos perante uma construção, uma forma, um modo. A combinação excessiva de emoções, música e existência.
Estamos perante uma obra própria, com a sua estrutura, as suas regras, as suas opções. Umberto Eco, por certo, adora esta película. E a história é fácil de resumir no seu nível policial (SPOILER): desconhecido, sem nome, com passado obscuro, conhece miúda, apaixona-se por miúda, percebe que miúda pode vir a estar em apuros, salva a miúda, mas o preço a pagar é nunca ver o amor frutificar (e rimou, END SPOILER).
Enfim, um clássico instantâneo, com intriga que cumpre a sua missão simples de resolver o problema de se querer fazer um filme com narrativa (Un Chien Andalou this is not). Assim Refn fica com mais tempo para o que realmente quer: construir os restantes níveis da sua obra. E é aqui que tudo se começa a conjugar para produzir a obra-prima que é Drive. Mas disso vamos agora começar a falar.
DM
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