de como harry chegou ao fim e outras formas de adeus


Estreias: HARRY POTTER E OS TALISMÃS DA MORTE Parte II

De: David Yates

Com: Daniel Radcliffe, Ralph Fiennes, Emma Watson

Não fosse esta coisa de ser crítico e nunca nos teríamos sentado a ver um “Harry Potter”. Não era imaginário que nos interessasse. A obrigação profissional colocou-nos, por diversas vezes, diante do ecrã – e em vão tentámos descobrir o que por ali haveria de tão extraordinário que apaixonasse milhões de leitores e espectadores, crianças e adultos, por todo o mundo. Não faltavam coisas piores, que fique claro. “Harry” sempre teve um universo forte, uma coerência, uma vontade honesta de contar uma história nova, ainda que inspirada em muitas mitologias, totalmente ausente de muito best-seller e blockbuster produzido com a única finalidade de enganar públicos pouco exigentes.

Os livros não os lemos, mas às versões cinematográficas de “Harry” a que assistimos faltava sempre, no entanto, um destino claro. As grandes decisões eram proteladas, o messiânico protagonista não estava à altura da propaganda, tudo vivia debaixo de um código de termos e símbolos que, com franqueza, não seduzia os não iniciados.

Contudo, manda – sempre mandou – a decência intelectual que se respeitasse uma obra de tão grande fôlego que teve a audácia de inventar qualquer coisa nestes dias em que tudo chega em segunda mão e a elevou à categoria de arquétipo. “Harry Potter” desenterrou magos e feiticeiros e entregou-os ao Século XXI. Reinterpretou velhos códigos morais e deixou uma legião de seguidores – believers, à maneira de Tolkien, muitas décadas atrás. Mérito, acima de tudo, para J. K. Rowling, mas também para Steve Kloves, que adaptou quase todos os livros ao grande ecrã, e para David Yates, que realizou a segunda metade da saga.

Por fim, dez anos, sete livros e oito filmes depois, acreditamos que as promessas foram cumpridas. E que Kloves e Yates conseguiram um filme merecedor de admiração, mesmo entre quem, como nós, não seja believer.

Mais denso, mais negro, mais maduro, o derradeiro “Harry” consegue, finalmente, enfeitiçar. Em vez de uma corrida sem destino claro, polvilhada de abracadabras e varinhas mágicas, oferece-nos personagens com espessura, dramas humanos, une as pontas soltas, esclarece o que há tanto tempo e tão irritantemente tardava em explicar e, acima de tudo, toma uma direcção. Harry descobre e destrói os três últimos elementos mágicos que asseguram a imortalidade do senhor do mal, Voldemort, e enfrenta-o no duelo final. Duelo esse que, em grande medida, o opõe a ele próprio.

Entre umas fugazes cenas de amor mal resolvidas, grandes efeitos especiais e outros que parecem estranhamente amadores (vide os momentos em que as personagens se tornam invisíveis), um grande elenco assegura que continuamos colados à tela: Michael Gambon, Alan Rickman ou Maggie Smith, por exemplo. Já Ralph Fiennes confirma-se numa categoria à parte. A categoria do actor tão bom, tão bom, que mesmo sem cara, garante que nunca mais a esqueceremos.

Tudo acaba, diz a frase promocional de “Harry Potter E Os Talismãs Da Morte”. Não diríamos melhor. Termina esta semana a nossa colaboração com o i. Sábado, ainda sairá a habitual crítica de dvd, mas servimo-nos da página de hoje, mais espaçosa, para as despedidas. Estivemos por aqui desde o número 1. Durante mais de dois anos, tivemos o prazer e o privilégio de integrar uma grande equipa e um projecto corajoso. Mais de dois anos em que, consigo, leitor, tentámos falar de cinema sem preconceitos simplistas ou intelectuais. Se o levámos a ver pelo menos um filme que não teria visto doutro modo, se esse filme lhe trouxe duas boas horas de vida, então valeu a pena. Aceite um abraço e um obrigado. Até breve.

AB

i, 2011.07.14

[A nota com que termina este texto refere-se, naturalmente, à minha colaboração com o i. Finda, implicará uma natural redução do fluxo de textos por aqui, mas a NOITE AMERICANA continua.]

Comentários

Ines Cisneiros disse…
Nãããão!


(snif!)
Ines Cisneiros disse…
P.S: o não é para a redução de fluxo de textos. e não para o facto de o Noite Americana continuar, obviamente.
Anónimo disse…
:) Esse "Nãããão!", ainda que angustiado, a mim soube a carinho.
Obrigado, Inês. Vamos ver que trarão os próximos tempos. Beujinhos e até já.
Que pena, Alex!!! Era uma leitora assídua!
Espero que surjam outros projectos semelhantes no futuro.
Um grande beijinho, espero que esteja tudo bem contigo!
Marta
Anónimo disse…
Volta! Este blog faz-me tanta falta!!

teresa
Ines Cisneiros disse…
Olá, eu sou a Inês e no último mês e meio fui ao cinema uma vez e foi horrivel. Culpo o silêncio do blog.

P.S: Not!, mas era só para subscrever.
Anónimo disse…
Obrigado a todos pelos comentários. É difícil de explicar como e porquê, mas todos sabem dentro de si o bem que sabem estes abraços cibernéticos. Sem a republicação do meu trabalho no i, a Noite Americana será, naturalmente, menos prolixa, mas pode ser que seja por bem. Pode ser que seja para regressar à sua primeira forma, com maior intenvenção de todos, menos crítica e mais afectiva, como o Domingos já vai fazendo nos posts acima. Um abraço. Vamos falando.

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