automóvel clube sentimental


Estreias: CARROS 2

De: John Lasseter & Brad Lewis

Vozes portuguesas: Pedro Granger, Nuno Markl, José Raposo

A Pixar já agarrou em ratos, peixes, insectos, monstros e robôs e transformou-os em criaturas que, ao fim de cinco minutos, já tinham o nosso coração. Já o fez com brinquedos e super-heróis, contextos batidos, mas não para que fossem mais uns; antes tornando-os paradigmas desses universos clássicos. Até quando se virou para os humanos, fê-lo a partir dum viúvo reformado, talvez o mais inesperado dos protagonistas. A Pixar não vai, pois, atrás da onda; lança o movimento que cria a onda que outros cavalgarão.

Foi o que aconteceu em 2006, quando lançou “Carros” e é o que acontece agora quando a eles regressa, finda a trilogia “Toy Story” e tendo em carteira opções mais evidentes a que dar sequência.

No cinema, os automóveis têm sempre desempenhado a mesma tarefa: medição de testosterona. Passeiam estilo, velocidade, agressividade, competição. Só nas mãos da Pixar se poderiam transformar em protagonistas clássicos, com alma e angústias, famílias, lealdades, erros, desejos e projectos. Só, enfim, nas mãos de John Lasseter poderiam despertar mais sentimentos que a simples extensão de egos masculinos que não encontram realização noutras paragens da vida.

O primeiro “Carros” passou debaixo de aplausos simpáticos, mas sem recolher os louvores de outros membros do clã, tornados clássicos dum momento para o outro e por mérito próprio: os citados “Toy Story”, “À Procura De Nemo”, “Ratatui”, “Up – Altamente”, “Wall-E” ou “Os Incríveis”. Mas universo, história e personagens eram dos preferidos de Lasseter e a vontade de lhes dar continuação vinha já desde o tempo em que andava a promover o filme original.

Ei-la aqui e agora, no Verão de 2011, ainda melhor do que o primeiro capítulo, ainda sem alcançar o estatuto de obra-prima de grande parte da família, mas mais do que suficiente para que percebamos a diferença entre os filmes da Pixar e outros produtos da época, dentro ou fora da animação: a inteligência. Mesmo fazendo um filme desses “para toda a família”, uma coisa fresquinha para combater o calor, mesmo a partir de carros e corridas, a Pixar não despreza o público. Não lhes dá uma coisa para mastigar e deitar fora. Conta com a inteligência do espectador, conta com a atenção ao pormenor, conta com a probabilidade de haver na plateia pessoas munidas de um sentido de humor e não daquela vaga vontade de quem apenas procura “qualquer coisa para rir”. Foge ao cliché ou vai directo a ele para desmontá-lo. Não infantiliza; devolve-nos à infância, o que é bem diferente.

“Carros 2” leva-nos à volta do mundo com o carro de competição Lightning McQueen e literalmente a reboque de Mate, companheiro do interior americano, provinciano e bom coração. Não dizemos que nos leva à volta do mundo impunemente; somos, de facto, arrastados por aquela deliciosa sensação de que saímos da sala e mergulhámos tela adentro. Num raro caso em que o 3D é realmente útil e não mero folclore, o humor e rigor com que são tratadas Londres, Paris, Tóquio ou os maneirismos italianos da população de uma pequena vila, são o requinte final numa sólida história de amizade e lealdade que alterna entre a narrativa do Grande Prémio Mundial e um subplot de fazer inveja a filmes de espionagem ditos “sérios” conduzido por um Aston Martin que homenageia James Bond e o primeiro carro-miúda-gira de sempre. Em fundo e porque a Pixar não descura a preocupação moral da animação clássica, está uma mensagem ecologista.

Nota final para o trabalho dos actores e locutores da dobragem portuguesa, que ainda oscila entre os casos sérios de talento e os casos graves de inaptidão.

AB

i, 2011.07.07

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