se deus é brasileiro, o diabo não anda longe
Estreias: TROPA DE ELITE 2: O INIMIGO AGORA É OUTRO
De: José Padilha
Com: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro
Em 2007, “Tropa de Elite” surgiu como uma resposta da direita ao cinema que então mergulhava nas favelas do Rio do ponto de vista dos moradores. Com a conversão do documentarista José Padilha à ficção, aprendemos a perspectiva da polícia – e não terá faltado então quem se candidatasse ao BOPE, fascinado com a figura do Capitão Nascimento. Não seria intenção declarada de Padilha – os argumentistas de um filme foram até colaboradores do outro – mas a “Tropa” veio ocupar a outra face da moeda de “Cidade de Deus”. Não ao mesmo nível, porque o filme de Fernando Meirelles era, a todos os títulos, uma obra-prima, mas o BOPE, o rosto duro de Wagner Moura e o orelhudo “Rap das Armas” eram impossíveis de esquecer.
Foi por isso que, três anos depois, “Tropa de Elite 2” se tornou o maior fenómeno de sempre do cinema brasileiro. E os ecos atravessaram depressa o Atlântico: “O Inimigo Agora É Outro” era mais político, menos visceral; não era tão bom. Os ecos, confirmamos agora, estavam certos. Mas a “Tropa” não tinha outro caminho por onde ir.
Inferior ao original, sem dúvida, até porque, em vez do efeito-surpresa, teria de contar agora com a inflação das expectativas, “Tropa de Elite 2” é, no entanto, superior ao nível médio das sequelas – que costuma situar-se, como o leitor sabe, algures entre o dispensável e o desastroso. Acima de tudo, Padilha, Bráulio Mantovani e Rodrigo Pimentel, os responsáveis pelo argumento, tiveram a coragem e a sensatez de não repetir simplesmente a fórmula. Deram o passo em frente. Foram verdadeiros para com a história e pensaram: se estas pessoas existissem mesmo, que lhes aconteceria depois?
Assim, damos com Nascimento já promovido a coronel e com as antigas funções entregues a Matias (André Ramiro), que conhecemos do primeiro filme. Quando rebenta um motim liderado por Seu Jorge numa prisão de alta segurança, as coisas correm mal. Matias faz o que o BOPE está treinado para fazer: dispara a matar, ainda que Nascimento lhe desse ordem em contrário. O escândalo rebenta e o governador do Rio quer salvar a pele afastando Matias e Nascimento. Consegue com o primeiro, mas não com o segundo. Nascimento é o herói que pôs ordem nas favelas e afastá-lo é afastar eleitores. Assim, o Coronel vai ser promovido a subsecretário da segurança – uma reforma forçada disfarçada de prémio-carreira.
É a mudança de Nascimento das favelas para os corredores da política que leva o filme pelo mesmo trajecto. A “Tropa” perde em combate de rua e no ambiente “Full Metal Jacket” do treino do BOPE o que ganha em thriller político. O inimigo agora é outro, avisa o subtítulo. E é. Já não é o traficante nem o maconheiro: é o político.
Governadores, deputados, esquerda e direita, polícias e milícias – as forças que têm nascido dentro das favelas para as defender do tráfico, mas que na verdade o controlam – são enredados numa teia. E ninguém fica especialmente bem no retrato. A isto, o argumento acrescenta ainda a vida pessoal de Nascimento de forma mais ou menos óbvia, mas eficaz: a mulher trocou-o por Diogo Fraga (Irandhir Santos), o defensor dos fracos e oprimidos. Isto é, o anti-BOPE.
No fundo, é mesmo este o traço fundamental de “Tropa 2”: não sendo óptimo, é eficaz. E para isso também contribui a equipa de efeitos especiais que nos leva para o meio dos tiroteios. Mas lamenta-se o interminável voice-over de Wagner Moura: se, no primeiro acto, nos ajuda a situar no labirinto de interesses que vagueia no Rio, torna-se depois uma maçadora explicação de tudo aquilo que um espectador inteligente gostaria de decifrar por si próprio.
AB
i, 2011.04.07
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