este é robin hood, o candidato a primeiro-ministro
ROBIN HOOD
De: Ridley Scott
Com: Russell Crowe, Cate Blanchett, Mark Strong
Um filme é, em grande medida, a circunstância em que o espectador o vê. É por isso que só confrontando muitas opiniões, muitos visionamentos e deixando passar algum tempo sobre as obras, se chega a alguma verdade sobre elas. E ao crítico cabe tentar ter tudo isto em conta no momento de expressar uma opinião sobre um filme e construir a argumentação que a sustente. Ora, este crítico tem de confessar a dificuldade em fazê-lo desta vez. É que, numa semana em que o Benfica ganhou o campeonato, o governo desmentiu tudo o que disse durante anos e abriu portas ao aumento de impostos e à desistência das grandes obras públicas, e ainda veio o Papa e, com ele, estradas cortadas, transportes públicos interrompidos e tolerâncias de ponto, “Robin Hood” parece, sinceramente, uma aventura demasiado pacata.
Se alguém, algum dia, não perceber o que é cinema de autor, mostre-lhe “Robin Hood” e diga: “É exactamente o oposto disto”. É que “Robin Hood” não tem bem um autor; é uma fórmula. Uma personagem do imaginário popular adaptada e readaptada, mais um realizador de épicos, mais um protagonista de épicos, e sai, em princípio, um sucesso de bilheteira.
A fita teve ontem estreia mundial em Cannes e ainda não se sabe o que o mundo achará dela – o mundo não emocionalmente afectado por Benfica, Papa e subida de impostos – mas podemos já acomodar as expectativas ao leitor: está lá mais ou menos tudo o que é preciso a um épico de aventuras, excepto a surpresa.
Argumentista, estúdio e realizador decidiram recuar e mostrar como Robin Longstride se torna Robin Hood, um truque usado e abusado em sagas e histórias de super-heróis. E o redireccionamento do olhar resulta em que, em vez dum príncipe dos ladrões, tenhamos um político, um líder de massas em busca da implantação da democracia. Não é roubar aos ricos para dar aos pobres a actividade a que este Robin se dedica; a sua causa é combater as desigualdades sociais e exigir ao rei uma lei que conceda a todos os mesmos direitos.
Depois duns primeiros instantes em que assistimos a uma variação de “Gladiador”, Russell Crowe lá deixa Maximus e avança para um herói mais bonacheirão que, depois da morte do Rei Ricardo, jura a um cavaleiro levar-lhe a espada de regresso às mãos do pai, em Nottingham. Robin parte com os acólitos que lhe conhecemos (há um bom gag com João Pequeno), mas, entretanto, o Príncipe João sobe ao trono e ordena a cobrança forçada de mais impostos. O papel de antepassado brutamontes de ministro das Finanças é entregue a Godfrey e nem aqui há notícia: é Mark Strong, o vilão da moda que, só no último ano, já desempenhou a tarefa em “Kick-Ass”, “Sherlock Holmes” e “A Jovem Vitória”. Só que Godfrey tem um plano secreto: um acordo com os franceses para lhes facilitar a invasão de Inglaterra.
É claro que, mais cedo ou mais tarde, as duas histórias se vão cruzar: a de Robin, pacatamente por Nottingham a tentar conquistar Marian (Cate Blanchett) e a da guerra que se avizinha, entre o traidor Godfrey, franceses, rei e nobres ingleses. No fim, quase nem vale a pena dizer, Robin há-de salvar o dia (de resto, numa cena que resvala, perigosamente, para a pirosice).
Ridley Scott conseguiu um filme de aventuras escorreito, que desliza com facilidade por umas não excessivas duas horas e vinte e duma simplicidade de processos que dispensa a overdose digital a que os blockbusters nos têm habituado. Mas falta rasgo, trevas, arrepios espinha abaixo. Malgrado todos os livros e cursos intensivos, os filmes não se reduzem a fórmulas. Senão, até uma bimby os fazia.
AB
i, 2010.05.13
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