nenhum sexo, muitas mentiras e algum vídeo
O DELATOR!
De: Steven Soderbergh
Com: Matt Damon, Melanie Linskey, Scott Bakula
De: Steven Soderbergh
Com: Matt Damon, Melanie Linskey, Scott Bakula
Não deve haver outro director em Hollywood que trabalhe tanto quanto Steven Soderbergh. Não será o melhor realizador do mundo nem o pior, mas é preciso admirar alguém que fabrica treze filmes nos últimos dez anos, arriscando-se sempre em diferentes formas narrativas. Só de 2000 para cá, foram os três actos da série “Ocean”, as duas partes de “Che”, os projectos indy “Full Frontal”, “Bubble” e o recente “The Girlfriend Experience” (que só veremos em DVD), os galardoados “Erin Brockovich” e “Tráfico”, a tentativa de ser clássico em “O Bom Alemão”, a de ser sci-fi em “Solaris” e, agora, “O Delator!”, uma experiência que é qualquer coisa como “Apanha-me Se Puderes”, se “Apanha-me Se Puderes” tivesse sido feito pelos Coen em vez de Spielberg.
Soderbergh e o argumentista Scott Z. Burns adaptam o livro de Kurt Eichenwald “The Informant – A True Story”, injectando-lhe um segundo texto que salva a história do tédio: o fluxo de consciência do protagonista Mark Whitacre. Essa voz interior, debitada em off entre cenas e silêncios, contém as suas reflexões mais ou menos avulsas, as impressões que lhe vão surgindo, as pequenas histórias que lhe ocorrem, mas cuja duvidosa relação com os acontecimentos vai pondo a nu a peculiar forma que Whitacre tem de ver o mundo.
Aparentemente, ele é um funcionário zeloso da ADM, uma empresa ligada à produção de aditivos alimentares. Mas, de um momento para o outro, dá por si num esquema intercontinental de concertação ilegal de preços, enquanto é transformado em espião do FBI, à procura de provas que sustentem aquela tese fantástica.
Durante dois anos e meio, Whitacre aguenta as pressões do jogo duplo e consegue que a ADM seja condenada, mas, a pouco e pouco, começa a deixar escapar contradições, descobrindo a sua mitomania e, mais grave que isso, um conjunto de manobras ilegais em seu proveito pessoal.
Matt Damon constrói uma personagem fabulosa. Gordo, de bigode, com um penteado terrível, óculos de nerd e fatos baratos, custa a crer que seja mesmo ele dentro daquela criatura ambígua, em quem o espectador nunca confia, mas também não é capaz de condenar. O Whitacre de Damon não é o burlão maligno com pele de cordeiro nem o bom malandro que ganha sempre a simpatia da audiência. É outra coisa algures entre a criança grande e o caso grave de psicose. Não quer ser espião, mas, depois, convence-se de ser mesmo um agente secreto. Não encontra verdadeiro mal nas suas acções porque os grandes é que são os maus da fita. No fundo, é um invulgar caso de culpado inocente. Modelou a realidade à sua medida e, por isso, em consciência, esteve sempre do lado certo.
Nada há de errado em “O Delator!”, excepto aquele que é um dos poucos traços unificadores da obra de Soderbergh: ser demasiado cerebral. Está lá tudo e é tudo bem feito, mas falta a vibração, a paixão, o risco de que se fazem os grandes filmes. O seu rasgo está todo em Damon, um actor portentoso frequentemente subvalorizado. Segundo a Forbes, é a estrela mais rentável da actualidade: 29 dólares de receita por cada dólar que lhe pagam. Mas é raro ler ou ouvir quem faça justiça a uma carreira que, tendo começado ao lado de Ben Affleck, rapidamente voou para as mãos de gente como Spielberg, Redford ou Scorsese.
Depois de Jamie Foxx n’ “O Solista”, temos talvez aqui o segundo candidato ao Óscar. É claro que nunca ganhará. Não é personagem que forneça assuntos bonitos ao discurso de melhor actor. Mas sempre seria um princípio de justiça com Damon. E, afinal, o autismo de Whitacre até combinaria bem com muito do que se passa no Kodak Theatre.
Soderbergh e o argumentista Scott Z. Burns adaptam o livro de Kurt Eichenwald “The Informant – A True Story”, injectando-lhe um segundo texto que salva a história do tédio: o fluxo de consciência do protagonista Mark Whitacre. Essa voz interior, debitada em off entre cenas e silêncios, contém as suas reflexões mais ou menos avulsas, as impressões que lhe vão surgindo, as pequenas histórias que lhe ocorrem, mas cuja duvidosa relação com os acontecimentos vai pondo a nu a peculiar forma que Whitacre tem de ver o mundo.
Aparentemente, ele é um funcionário zeloso da ADM, uma empresa ligada à produção de aditivos alimentares. Mas, de um momento para o outro, dá por si num esquema intercontinental de concertação ilegal de preços, enquanto é transformado em espião do FBI, à procura de provas que sustentem aquela tese fantástica.
Durante dois anos e meio, Whitacre aguenta as pressões do jogo duplo e consegue que a ADM seja condenada, mas, a pouco e pouco, começa a deixar escapar contradições, descobrindo a sua mitomania e, mais grave que isso, um conjunto de manobras ilegais em seu proveito pessoal.
Matt Damon constrói uma personagem fabulosa. Gordo, de bigode, com um penteado terrível, óculos de nerd e fatos baratos, custa a crer que seja mesmo ele dentro daquela criatura ambígua, em quem o espectador nunca confia, mas também não é capaz de condenar. O Whitacre de Damon não é o burlão maligno com pele de cordeiro nem o bom malandro que ganha sempre a simpatia da audiência. É outra coisa algures entre a criança grande e o caso grave de psicose. Não quer ser espião, mas, depois, convence-se de ser mesmo um agente secreto. Não encontra verdadeiro mal nas suas acções porque os grandes é que são os maus da fita. No fundo, é um invulgar caso de culpado inocente. Modelou a realidade à sua medida e, por isso, em consciência, esteve sempre do lado certo.
Nada há de errado em “O Delator!”, excepto aquele que é um dos poucos traços unificadores da obra de Soderbergh: ser demasiado cerebral. Está lá tudo e é tudo bem feito, mas falta a vibração, a paixão, o risco de que se fazem os grandes filmes. O seu rasgo está todo em Damon, um actor portentoso frequentemente subvalorizado. Segundo a Forbes, é a estrela mais rentável da actualidade: 29 dólares de receita por cada dólar que lhe pagam. Mas é raro ler ou ouvir quem faça justiça a uma carreira que, tendo começado ao lado de Ben Affleck, rapidamente voou para as mãos de gente como Spielberg, Redford ou Scorsese.
Depois de Jamie Foxx n’ “O Solista”, temos talvez aqui o segundo candidato ao Óscar. É claro que nunca ganhará. Não é personagem que forneça assuntos bonitos ao discurso de melhor actor. Mas sempre seria um princípio de justiça com Damon. E, afinal, o autismo de Whitacre até combinaria bem com muito do que se passa no Kodak Theatre.
AB
i, 2009.10.22
Comentários
Só para dizer que "girlfriend experience" pôde ser visto no Estoril film festival (no grande ecrã, portanto). Tal como este, não se descortinam falhas de realização relevantes; tal como este, sem o rasgo, no entanto, de outros filmes de Soderbergh.
blog interessante, bom trabalho