ela queria viver para sempre; estes nem por isso

FAMA

De: Kevin Tancharoen

Com: Debbie Allen, Charles S. Dutton, Naturi Naughton

Se o leitor der licença, falemos de “Fame” e não de “Fama”. Comodidade de linguagem. Nada contra, mas digo “Fama” e imagino um daqueles programas de domingo à tarde, com actores a chorar e uma reportagem sobre o Cristiano Ronaldo, apresentado pelo Daniel Oliveira e sete raparigas. Adiante.

Pensamos em “Fame” e ouvimos a canção de Irene Cara. Sim, confessemos: o mais urbano-depressivo de nós já a cantou, pelo menos uma vez, num karaoke de Barcarena. Isto em primeiro lugar. Em segundo, vem-nos uma recordação agradável, mais ou menos indefinida. O genérico com a malta a dançar na rua, o tom outonal de Nova Iorque, gente a cantar e a dançar em cima das mesas. O resto é nostalgia dos 80’s. “Fame” provoca-a como “Raio Azul” provoca. Ou a Sabrina. Ou os sumos Tang. Alguém voltou a beber um Tang desde que se descobriu o buraco na Camada de Ozono? Eu sim. Aqui há um ano ou dois. Vi o cancro chegar, ao fundo do túnel. E fui gargarejar com água morna.

Talvez se passe o mesmo com “Fame”. Será que aquilo era mesmo assim tão bom ou é a nossa nostalgia que doura tudo?

Dito isto, porquê voltar a “Fame” e adaptá-lo ao cinema, vinte e tal anos depois? Por causa do sucesso de coisas como “High School Musical” e de programas de televisão como “Ídolos” e afins. Não se vê outro motivo.

É verdade que “Fame” já foi um filme, em 1980. Mas foi como série que se tornou um fenómeno. Por isso, o projecto enfermava dum pecado original praticamente impossível de ultrapassar: como adaptar uma longa série de televisão a um filme de duas horas? E, sobretudo, como legitimar um produto tão naturalmente televisivo enquanto objecto cinematográfico? Mas vê-se o “Fame” 2009 e nenhuma das perguntas é sequer razoavelmente respondida.

No essencial, este “Fame” é um musical, um produto que se veria com aceitável satisfação num teatro, porque os números musicais e de bailado são competentes e entretêm. Mas e o resto? As personagens, o conflito, o drama, os turning points, a história, por amor de Deus?!

O filme começa com um cartão anunciando que é dia de audições na Academia de Artes Performativas de Nova Iorque. Vinte minutos depois, vem outro cartão revelar que começou o primeiro ano. Mais meia hora e outro cartão avisa que já estamos no segundo. Outra meia hora e outro cartão adverte: chegámos ao último ano. Dali a pouco, o filme acaba. É tudo. Nada aconteceu, nada mudou, as personagens estão iguaizinhas, física, psicológica e artisticamente. Ninguém morre, ninguém nasce, ninguém sai, ninguém entra. E o coro pergunta: porquê?

A realização foi entregue a Kevin Tancharoen, um perfeito desconhecido com experiência em videoclips e produtos televisivos de dança. E o guião a Allison Burnnet, argumentista com pouco mais para mostrar que xaropadas como “Autumn In New York”. O resultado é uma coisa cheia de dinâmica – é certo – que se concentra mais nas aulas que nos dramas adolescentes das personagens – o que muito lhe agradecemos – e que faz bem a ponte entre os anos 80 e os 2000, transitando suavemente do Disco para o Hip-Hop e evocando, competentemente, o ambiente da série original. Mas as personagens e a história são usados como separador entre números musicais. E mesmo esses esbarram na falsidade do playback e na total vulgaridade dos temas. Como se não bastasse, a única mensagem que o filme tenta passar diz basicamente que é preciso acreditar e trabalhar muito e que o sucesso, por si só, não vale nada, se não tiveres amor e amigos.

Havia canções da Sabrina e episódios do “Raio Azul” com mais substância.

AB

i, 2009.10.01

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