questões de género

A indústria do cinema falhou na concepção da sua própria tábua de valores. Dividiu as obras em comédia e drama, horror, aventura, policial, acção, suspense e outros géneros que encontraremos facilmente catalogados em qualquer clube de vídeo. Mas tudo isto é lateral e nada diz sobre a verdade de um filme, o seu pensamento, a sua tese.

A pintura, essa grande chatice que outros defenderão, legitimamente, como arte maior, foi bem mais certeira. Tabelou tudo com ismos profundos e sérios, fazendo chegar mesmo a obra mais desastrada e lamentável da História com um rótulo de meter o público em sentido: realismo, abstraccionismo, expressionismo, cubismo, fauvismo – meu Deus! – e muito mais. A filosofia fez a mesmíssima coisa e manterá até ao fim a sua dignidade de nobreza arruinada justamente por subtilezas como essa.

A arte do filme não percebeu a lição. Por isso, hoje, uma visita às fnacs e suas semelhantes revela-nos Woody Allen lado a lado com aquelas fitas americanas em que adolescentes lutam contra a virgindade, porque ambos são entendidos como Comédia. O classicismo de Clint Eastwood pode partilhar o escaparate com uma xaropada ronhowardiana, porque chamam Drama a um e a outro. E Blade Runner, que tão bem ficaria junto de algumas reflexões bergmanianas, tem de se aconchegar ao plástico de fitas em que monstros gelatinosos da quinta galáxia são implantados em pâncreas humanos porque a escala tudo etiquetou como Ficção Científica.

É pena. Porque até a indústria do vestuário viu mais longe. Ou não acha que até uns simples “S”, “M”, “L” e “XL” arrumariam melhor as diferenças entre filmes? A obra pequenina, a mediana, a grande e a ‘larger than life’.
AB

Publicado no MEIA HORA de ontem.

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