os deuses gregos, agora em bonecos 3D


CONFRONTO DE TITÃS

De: Louis Leterrier

Com: Sam Worthington, Liam Neeson, Ralph Fiennes

Ponhamos a coisa da seguinte forma: à parte o final paupérrimo, “Confronto De Titãs” até é uma hora e tal bem passada. Ou por outra: uma hora e tal que passa bem. Não se dá por ela. Um tipo está entretido. Não pensa na hérnia, no IRS, no esquentador avariado, no Liverpool-Benfica, no que inventar para dar nos anos à mulher. Sim, até dá para sair da sala com os óculos 3D esquecidos na ponta do nariz e só se aperceber quando apontado, entre risinhos, por um grupo de oito adolescentes. Mas, depois, chega a casa, pega nos papéis do IRS, olha para o Jorge Jesus na capa d’ A Bola, agarra-se à hérnia e ouve a mulher a perguntar pelo esquentador, e percebe que não ficou nada lá dentro. Já não se lembra de nada, duma frase, uma personagem, um bom momento. O que é que acontecia no filme, mesmo?

“Confronto De Titãs” é um remake razoavelmente livre do filme homónimo de 1981. A fita de Desmond Davis tinha Laurence Olivier a fazer de Zeus e Ursula Andress a fazer de Ursula Andress, mas o protagonista era Harry Hamlin. Apesar disso, tornou-se objecto de culto e passeou, à época, uns efeitos especiais topo de gama. Como o último tipo que teve uma ideia nova em Hollywood deve ter sido despedido e corrido à pedrada até ao Alaska e a lei manda agora que se façam apenas trilogias, sequelas, prequelas ou remakes, a Warner lembrou-se que tinha lá “Clash Of The Titans” no baú e entregou-o a um jovem francês para adaptar. E disse-lhe: isso em 3D, se faz favor. De preferência com o rapaz do “Avatar”.

Sim, é Sam Worthington o Perseu da nova versão. Começou como cyborg em “Exterminador Implacável: Salvação”, continuou como avatar de extraterrestre no filme de James Cameron e agora faz de semideus. Que virá a seguir? Uma fotocopiadora humana? Um anjo-máquina de tabaco?

Esgotados super-heróis, feiticeiros, senhores dos anéis, vampiros e lobisomens, os estúdios decidiram virar-se para os deuses gregos – sempre se continua no sobrenatural e dá para inspirar uns nomes giros para a pequenada: Apolo Miguel, Anteros Bruno, Afrodite Luciana, por aí afora.

Hades, o senhor dos infernos, está zangado com a cidade de Argos porque já não respeita os deuses e ameaça atiçar-lhe o monstro Kraken, a menos que o rei entregue a filha Andrómeda em sacrifício. Que podem os habitantes de Argos fazer? Depositar o destino nas mãos de Perseu, um semideus porque filho bastardo de Zeus e de uma mulher.

Com umas ajudas do Olimpo – uma espada mágica, o cavalo alado Pégaso – que tenta recusar por estar do lado dos homens e não dos deuses, Perseu lá vai andando em busca da única arma que lhe poderá valer diante de Kraken: a cabeça da Medusa, cujo olhar transforma em pedra tudo o que se cruze com ele. Essa cruzada dura quase todo o filme e não é mais que uma longa caminhada, de obstáculo em obstáculo, até ao monstro final. Perseu e os companheiros – onde se contam o excelente Mads Mikkelsen e a muito recomendável Gemma Arterton – defrontam escorpiões gigantes, mortos-vivos do deserto, bruxas ceguinhas e a dita Medusa, até encontrar o terrível Kraken.

Não querendo estragar o fim (até porque ele, por si, não deixa muito para estragar), digamos que o monstro não está à altura da fama e que tudo se precipita rapidamente e com muita frase batida, gritando por todo o lado que vem aí uma ou mesmo, valha-nos Nosso Senhor, duas sequelas.

Falta dizer que, na pele de Hades, Ralph Fiennes repete o score d’ “A Lista De Schindler” e dá 10-0 ao Zeus/Liam Neeson. E pronto. O filme acaba e um tipo volta à vidinha. Não é daqueles que fica aqui a chatear com perguntas e inquietações. O pior é a hérnia.

AB

i, 2010.04.15

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