Gus Van Sant


Não quero aqui retomar nenhuma discussão endógena, nem torná-la pública. Bem, ok, talvez até queira. Mas prometo deixar Gerry (quase) para o fim.

O que me atrai em Gus Van Sant é a diversidade. Apesar de não considerar nenhum dos seus filmes uma obra-prima ou algum deles estar na minha lista de filmes preferidos, a verdade é que, a ser realizador, gostaria de ser parecido com o Gus Vant Sant. Senão vejamos:

1. Este é o homem que iniciou a sua carreira de realizador com uma curta que adapta um conto de William S. Burroughs. Não digo mais nada. Deixo apenas a referência para a obra original que serviu de inspiração a The Discipline of D.E..

2. A sua primeira longa-metragem é Mala Noche que, apesar de ser de 1985, só o ano passado estreou em Portugal. Apresenta a fixação de Van Sant no universo gay masculino. Apresenta o seu interesse por Portland (que viria a retomar, por exemplo, em Drugstore Cowboy e My Own Private Idaho).

3. Depois de uma curta mais ou menos interessantes, a segunda longa-metragem de Gus Van Sant é Drugstore Cowboy, porventura com o melhor Matt Dillon de sempre, além de ser um excelente road movie, género que se iria impor nos primeiros filmes do realizador. E há Portland.

4. Portland viria a estar, de novo, presente na terceira longa-metragem de Van Sant My Own Private Idaho. Como, aliás, também à homossexualidade masculina, desta feita misturada com Shakespeare - Henry IV - e Orson Wells - Falstaff. Além de uma banda sonora onde Elton John tem posição firmada. Este é também o primeiro filme de Van Sant, de dois, que junta River Pheonix e Keanu Reeves.

5. Antes da sua quarta longa-metragem Van Sant teve ainda tempo para participar na realização de alguns videoclips de David Bowie.

6. Even Cowgirls Get The Blues é um dos melhores filmes de Van Sant. De novo um roadmovie, de novo Keanu Reeves e River Pheonix (e, por exemplo, Edward James Olmos, que nem sequer aparece referido...). Uma magnífica Uma Thurman e um universo delirante.

7. Daí que, To Die For, que apareceu dois anos depois, em 1995, não sendo uma total mudança - há o aroma a road movie - é uma óptima mudança: o preto&branco, Nicole Kidman e um pouco mais acção.

8. Até à chegada a Good Will Hunting, Van Sant ainda conseguiu juntar-se a Ginsberg e filmar uma curta entitulada Ballad of the Skeletons, seguindo o título do poema do poeta americano.

9. Com Good Will Hunting Gus Van Sant não só conseguiu dinheiro e reconhecimento junto do público mainstream, como voltou a variar, não só apostando no argumento de Matt Damon e Ben Affleck, como fazendo um filme radicalmente diferente do que deixara para trás.

10. O mesmo se diga com o Psycho que realiza logo a seguir e onde experimenta trabalhar com novos actores como Julianne Moore ou Viggo Mortensen.

11. Pode dizer-se que esta toada de reconhecimento...comercial é confirmada pela longa-metragem seguinte, Finding Forrester, que encerra uma trilogia atípica e estranha de filmes bem diferentes mas que não se portaram mal na bilheteira.

12. E eis que chegamos a 2002 e a Gerry, cujo argumento é também de Matt Damon e onde, aliás, Matt Damon é uma espécie de one man show. Sem desmerecer Casey Affleck, por esta altura presença regular em filmes de Van Sant. Pode dizer-se que a Noite Americana se divide entre quem gosta de Gerry e quem não gosta. Ou seja, eu e o resto da malta. Mas como não gostar de um filme que é um delírio assumido da personalidade de um homem que, para mais, decorre num deserto, esse local poético e místico. Não é o Grande Silêncio mas podia ser. Com um bocado mais de mescalina, por exemplo.

13. Um ano depois de Gerry, Elephant, sobre Columbine. Pode dizer-se que se fica ainda os planos longos e a surdina de Gerry, há claramente um regresso ao fascínio pela adolescência, que sempre marcara a obra de Gus Van Sant, e que, de novo, se agudiza a partir de Elephant.

14. Depois vem Last Days, que bem podia ser uma sequela de Elephant, por outros meios, outra cidade, outro homem. Onde antes estava uma hipotética Columbine agora está um hipotético Cobain. Siga a festa. Continue o olhar longo da câmara que vem já desde Gerry.

15. Paris Je t'aime tem pelo menos um mérito: a curta de Van Sant junta-o a Marianne Faithful. Fiquemos por aqui.

16. De Paranoid Park falo de cor uma vez que não o vi. E enquanto não o faço falo de cor pois devo ter visto a apresentação umas cinco vezes e ouvido falar do filme mais de dez, permitindo-me achar que o mundo Elephant e Last Days prossegue pelo interesse na adolescência e nessa forma caleidoscópica de ver o mundo, que tanto fascina Van Sant.

17. Milk, que estreará no próximo ano, marca o regresso ao universo gay, com o que se diz ser uma performance brilhante de Sean Penn.

Apesar das notas que permanecem na carreira de Van Sant há suficiente maleabilidade para admirar este realizador que sabe colocar a sua mestria ao serviço dos seus vários olhares. E das suas várias necessidades.

DM

Comentários

Anónimo disse…
Grande Domingos, duas notas:
1. Não falemos do que eu penso de Van Sant porque não seria bonito. Falemos do que tu pensas: o realizador versátil que anuncias a início resulta, no final do texto, alguém que é, afinal, o resultado desta equação: Portland + gays + roadmovie + planos longos.
2. Ainda bem que não foste realizador. Não sei se gostaria dum Gus - ou melhor, dum Gus Gus - como gosto dum Domingos.
Grande abraço!
noite americana disse…
Ora, ora, estás a simplificar tudo... e a obliterar uns filmes pelo meio...só por causa do Gerry.... Temos é que ir ao Calcutá reavivar esta discussão. Um abraço. DM
Anónimo disse…
Aí está qualquer coisa em que estamos de acordo! Sexta, sujeito a confirmação?
Anónimo disse…
O ParanoidPark estava disponível no youtube dividido em filmes de 10 minutos cada parte. Não sei se ainda esta,mas via.se bem. impressionante foi ter conseguido por miudos sk8rs sem experiencia de actores a actuar de forma convincente.
Unknown disse…
Em relação a "Gerry" (que gosto muito) há uma coisa importante a dizer: não haveria "Gerry" se não houvesse um cineasta chamado Béla Tarr - influência directa no cinema de Gus.

Saudações cinéfilas
Anónimo disse…
Ainda me faltam ver um par de filmes do Van Sant, inclusivé o Gerry mas é sem dúvida um dos grandes realizadores americanos dos nossos tempos, apesar de ainda haver quem o queira menosprezar.

Os meus favoritos são o My Own Private Idaho, To Die For e Last Days. Este Milk parece o regresso a uma veia mais convencional mas não tenho quaisquer dúvidas que será um belo filme.

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