Star Wars - The Force Awakens: Ela está entre nós

Nasci em 1977. O mesmo ano em que foi inventada a Vespa PX. E também o mesmo ano em que surgiu o primeiro filme da saga de Star Wars, o misterioso Episódio IV, A New Hope. Misterioso porque deixou durante décadas os fãs a tentar perceber o que tinha acontecido aos três primeiros. Três anos depois em 1980, a saga continuava com o Episódio V, The Empire Strikes Back. E volvidos novos três anos, em 1983, o Episódio VI, Return of the Jedi. Assim terminava a trilogia Star Wars.

Guardo estes três filmes em VHS, em caixas com capas da TvGuia, que gravei religiosamente da RTP algures no final dos anos 80. (apesar de ter os 6 episódios em blu-ray, mas já lá vamos). 

Foi o início de, mais do que uma paixão, uma investigação ética. Quase uma religião. O Lado Negro da Força e o Lado Claro da Força tornaram-se um modo de compreender o mundo. E, sobretudo, de o explicar. Aconteceu assim na escola, com os amigos. Depois na Universidade, como aluno, como professor. Nas conversas, nas jantaradas. Não apenas os dois lados da Força, mas as personalidades dos vários Jedi, entre Obi-Wan, Yoda ou Luke. Sem esquecer o Darth Vader, que todos odiávamos e temíamos, mas que ao mesmo tempo nos fascinava. Mas não apenas os Jedi. Também olhávamos para Han Solo e comparávamos com o Luke, além de tentarmos desvendar os significados de seres como Chewbacca ou os Ewoks. Digo nós porque nos começamos a reconhecer, aqueles que viam o mundo através do Star Wars, que reviam os filmes quando as lições começavam a desvanecer-se ou quando havia disputas interpretativas. Olhávamos para o Star Wars, para as suas personagens, para as suas aventuras, como para arquétipos jungianos: cada um representava um elemento, uma ideia, um sentimento, um valor*.

A partir daqui fizemos a exegese da trilogia ao longo dos dias e apropriámo-nos da Guerra das Estrelas. Por isso não achei piada ao ensejo de fazer os três primeiros episódios. É verdade que era George Lucas outra vez. Mas também era voltar ao local onde se tinha sido feliz. Um local que se tinha tornado de culto. Para quê mexer? E estava certo nas minhas preocupações. Há algo de operático na segunda/primeira trilogia, que faz por momentos esquecer o CGI, mas é só isso: um outro espetáculo. Um outro tom. Melhor para blu-ray. Um tom que, para quem tinha nascido em 1977, estava desafinado. Faltava-lhe alma. Ou então estava simplesmente a ficar velho. Eu. Afinal tinham passado mais de dez anos. Não era um miúdo, era um jovem adulto: o Episódio I estreou em Portugal no dia 1 de outubro de 1999. Eu tinha 22 anos.

Acho que alguns de nós escolheram ignorar a segunda/primeira trilogia. Outros, como eu, aceitaram-na como se aceita os membros chatos de uma família: não se pode matá-los, não se pode viver sem eles. Mas têm sempre uma piada qualquer nos jantares de Natal. Para mim a trilogia I-III teve e continua a ter uma importante função: profundidade. Passei a ver a trilogia original com uma profundidade de campo diferente e sem que sentisse que algo se quebrou, que algum mistério se perdeu. Só por isso, aceitei a trilogia I-III. Mas isto significa que a única vantagem que descortinei para a trilogia segunda/primeira têm unicamente que ver com a sua prioridade temporal. Ora isso não poderá salvar a trilogia VII-IX.

A verdade é que realmente estou a ficar velho. Dizer isso dos 22 anos é risível. Dos 38 é um pouco menos, sobretudo quando já se tem filhos que conhecem o Star Wars e se confundem entre Luke Skywalker e Star Wars: Rebels. Será esta trilogia uma nova esperança para eles? O meu filho mais novo nasceu há algumas semanas. Poderá ele daqui a 38 anos começar um texto a dizer que nasceu no ano de The Force Awakens? Da refundação da Guerra das Estrelas? Ou, com a Disney, haverá trilogias infinitas, mas nada que se compare aqueles idos dos anos 70, princípios dos anos 80?

Há algo de assustador em tudo isto. Porque as coisas até acabaram bem. O Luke, a Leia, o Han. O próprio Anakin (embora esteja ainda por perceber por que é que ele, Obi-Wan e Yoda conseguiram ascender a fantasmas Jedi e o pobre Qui-Gon não). Todos eles ficaram bem. A Força equilibrou-se. A profecia cumpriu-se. O que poderá vir aí? Que acrescentos poderão ainda ser feitos, aos 38 anos - meus e da saga - a essa ética estelar, universal? Ou simplesmente, à diversão que é mergulhar na Guerra das Estrelas?

Com todas estas interrogações vou ao cinema, na próxima quinta-feira, a muito mais do que uma estreia (algo que não fazia há anos): vou para um reencontro inusitado, inelutável, assustador, comigo mesmo e com o meu mundo.

É raro podermos uma coisa destas. Que a Força esteja connosco.




DM


* ao escrever estas linhas pensei que esta ideia não seria original e fui ao google fazer uma busca por "star wars jungian archetype". Eis o que encontrei em primeiro lugar.


Comentários

andré raposo disse…
Caramba ! Tudo demasiado semelhante. Também eu da colheita de '77. Depois o resto é quase mimético.

A mitologia sagrada dos primeiros 3 filmes. A relação com as personagens.
Os recortes da Tv Guia nas cassetes. A desilusão com a segunda trilogia. Uma compreensão melhor que só veio agora quando reli, em banda desenhada (edição óptima !) todos os capítulos e uma compreensão mais profunda do universo.
Os filmes em blue ray.

Cacete !
Enfim, e os filhos (que são 3) também já metidos no ambiente estelar.

maravilha ! Agora só falta não deitar tudo a perder.
noite americana disse…
Isso mesmo. Devem isso às várias gerações de fãs :)

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