Kieslowski no Nimas
Quanto ao meu realizador preferido não tenho dúvidas: Kieslowski. É verdade que perto vêm Theo Angelopoulos, Wong-Kar Wai, Terrence Malick, Ridley Scott. Mas Kieslowski foi amor à primeira vista: primeiro, a Dupla Vida de Verónica, depois Vermelho. Tudo o resto confirmou o que estes dois filmes criaram entre mim e o realizador polaco. Sobretudo, o Dekalog 1, o resto da trilogia das cores, mas também Não matarás, por exemplo.
Durante anos o meu filme preferido foi Belle de Jour. Durante muitos anos, quase 20. Digo quase pois não sei bem quando Belle de Jour se tornou o meu filme preferido (mas de certeza algures ainda na adolescência quando o vi por acaso na rtp num dia de semana à tarde) nem quando deixou de o ser. Sei apenas que foi há pouco tempo, quando ao cabo de quase uma década, numa revisão, me apercebi que Vermelho tinha ocupado esse lugar. E porquê? Porquê Vermelho, porquê Kieslowski? Talvez porque ao surrealismo de Buñuel, que muito continuo a apreciar, tenha passado a preferir o onirismo refinado e intelectual de Kieslowski. E utilizo aqui a palavra intelectual no seu sentido mais elementar, uma vez que Kieslowski produz um cinema paradoxal que combina o sonho com o cerebral. O cinema de Kieslowski é crítica, mas sabe que essa crítica pode ter que ser dirigida para coisas que a razão pode não compreender, pelo menos não completamente. Um bom exemplo disso é o magnífico Dekalog 1, que Paulo Branco nos permite rever no Nimas durante este mês de dezembro, integrado num ciclo dedicado a Kieslowski em que passará toda a trilogia das cores bem como o magnífico A Dupla Vida de Verónica. Se por mais nada, o ciclo é uma boa oportunidade para vermos em dose duple Irene Jacob, mas também para regressarmos às cadeiras do Nimas e aos anos 80 e 90, em torno de um dos maiores realizadores de sempre, que mesmo com uma obra curta conseguiu fazer através do cinema algo grandioso.
Para mim será uma hipótese para me reencontrar com o meu realizador preferido, que sempre posso rever em casa, mas nunca com a experiência de uma sala de cinema, muito menos do velho Nimas. E um reencontro emocionado também com Vermelho, com a Suíça, com Trintignant, com Jacob, com um jurista estudante para juiz, com uma salvífica traição, com o acaso, com a magnífica banda sonora, e com a Fraternidade, simbolizada pela cor vermelha. Dos três valores da Revolução, aquele que mais falta cumprir.
(Dekalog 1 - Eu sou o Senhor teu Deus. Não terás outro Deus além de Mim)
DM
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