Arthur Penn: O Padrasto da Revolução de 70

Faria dia 27 de Setembro 90 anos e celebramos hoje a 28 o segundo aniversário da morte de Arthur Penn, o homem que François Truffaut escolheu para o substituir na realização de Bonnie e Clyde (1967).

Ainda escaldado pela catastrófica experiência britânica de filmar Grau de Destruição (1966), e certo de que nunca poderia fazer filmes com total controlo (tal como tinha em França) se os filmasse numa língua que não dominava, Truffaut declinou o convite do actor transformado em produtor Warren Beaty, não sem antes recomendar que o mesmo projecto fosse entregue a um realizador com quem Beaty já tinha trabalhado com sucesso em Mickey One (1965), o realizador Arthur Penn.

"Ecoute Moi: I'm not dirrrecting fucking films in Amerrrica!"

Penn pertenceu a uma leva de realizadores que surgiu no limbo entre o final da era dourada de Hollywood e a revolução da chamada geração de 70.  Era (bem) mais jovem do que veteranos como Ford, Wilder ou Hitchcock, e quase de duas décadas mais velho do que a próxima leva, composta por Scorsese, Spielberg e companhia.

O seu estilo inicial era o de um herdeiro natural do cinema da era dourada de Hollywood (não é por acaso que a sua primeira longa seja um Western, e que por mais de uma vez regresse ao género), mas desde cedo que se notam no seu trabalho os traços da influência do movimento Beat, ou de um claro apelo pelo mundo do Jazz e de toda a cena intelectual Nova Iorquina dos anos 50/60. Um cinema que vai beber em igual parte dos trabalhos mais arrojados, modernos e de cariz social de realizadores como Otto Premminger e Elia Kazdan, assim como dos dos grandes poetas do Oeste, do Cinemascope e dos grandes planos como George Stevens e John Ford.

Penn com Beaty e Alexandra Stewart, em preparação para uma cena de Mickey One

Pode parecer redutor limitar o trabalho de Penn, que contou com cerca de 18 longas metragens (a maioria das quais de relevo), a uma só obra e logo a um filme onde não era sequer a primeira escolha para o dirigir.

Mas é esse momento mágico de  colaboração com Warren Beaty, onde o seu talento realmente sobressai. É sua capacidade de compreender que o cinema estava a mudar e de se assumir com este filme como o homem certo no momento certo, que lhe confere o seu lugar no panteão dos maiores.

... and they kill people.

Há um claro antes e um depois no cinema Americano após Bonnie e Clyde. Todo o processo de produção e pós-produção do filme é tumultuoso, desde a luta entre o estúdios da Warner e Warren Beaty, que queriam que este fizesse antes um filme romântico para adolescentes e não tinham o menor interesse em ver uma das suas novas caras bonitas ganhar o poder de produtor, à desistência da realização por parte Truffaut (o argumento fora escrito exclusivamente para ele), passando pelas complicações da exibição do filme e de uma má primeira reacção do publico Americano a um filme, que só voltaria a abraça-lo após o sucesso em Cannes e nos Drive In, e teria um então inédito relançamento para as salas, que mudaria por completo as regras do jogo da distribuição e interpretação de filmes e de mercados.

No meio de tanto tumulto é justo dizer que os dois principais pontos de estabilidade em todo o projecto, e as razões maiores do seu sucesso, foram a fé que Beaty tinha no filme e a mão de Penn na realização.

Do filme fica-nos a violência, os ecos da guerra do Vietnam, uma Feye Dunaway escandalosamente (e deliciosamente) sexy, muito provavelmente o primeiro dos grandes registos de Gene Hackman, a estreia de Gene Wilder e principalmente o espectáculo Warren Beaty, o homem do toque de midas, e co-progenitor de um filme que mudou todas as regras e cujo as histórias da sua produção e principalmente distribuição, tal como já foi referido, se tornaram lendas dentro de Hollywood (mas falemos disso noutra altura, que esta é a hora de Penn).

History in the Making

De Penn, enquanto realizador, fica-nos a ideia de um maestro calmo e seguro a dirigir um andamento rápido violento o de uma grande sinfonia, abordando o filme com um eficácia, confiança e simplicidade apenas ao alcance dos melhores. A crueza da sua câmera, o modo provocador e moderno como aborda cada cena e a maneira excessiva e chocante com que mostra a violência rasga com todos os cânones da época, terminando de vez com os últimos ecos do Código Hayes.

Com Bonnie e Clyde, Penn resgata também a tradição perdida do cinema de Gangsters (abre por exemplo a porta a O Padrinho (1972), filme onde a morte de Sonny não é mais que um agradecer e piscar de olho de Coppola a Penn) e, num momento raro de audácia, volta a matar (com pompa e circunstancia, diga-se de passagem) os protagonistas de um filme de Hollywood. Coisa que pouco ou nunca se via numa obra assinada pelos estúdios da Warner Bros. desde os tempos de Scarface de Hawks (1932).

Um conjunto de arrojos e audácias que partilha com Beaty, mas que só ganham vida através da sua visão, e definem o mote para o novo cinema de uma geração, da qual pode não ter sido o pai mas foi certamente o padrasto.

Arthur Penn
27/9/1922 - 28/9/2010

E no meio disto tudo, ainda arranjaria tempo para realizar a cena pela qual ainda hoje se regem todas as mortes ao ralenti.

Kudus (cum laude) para Penn!



MS



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