The Dean a Pitt: Considerações sobre o Red Jacket



Era suposto ser um filme a preto-e-branco.

À ultima da hora a Warner acedeu às insistencias de Nicholas Ray, do director de fotografia Ernest Heller, mas principalmente à ideia de capitalizar o sucesso recente do cinema de adolescentes e da sua nova estrela em ascenção James Dean. E assim mandou suspender as filmagens a preto-e-branco e comunicou a Ray que podia recomeçar do zero, e em pelicula technicolor, as filmagens de Fúria de Viver.

Nascia um mito, o de Dean, e dentro desse mito um outro que perdurou igualmente: O do Red Jacket (ou casaco/blusão vermelho/encarnado, cada um escolha o termo que mais gosta).

Poucas peças de roupa se tornaram tão carismáticas no cinema como o Red Jacket de Dean e tal como em qualquer boa história de Hollywood, a escolha da cor e do modelo do casaco de Dean está envolta em mistério e controvérsia e é hoje dificil descobrir quem foi o verdadeiro responsável pela sua escolha.

Originalmente, ainda na fase de rodagem a preto-e-branco, o personagem de Dean iria vestir um blusão de Khaki de tons neutros que se realçassem na paleta de cinzas que iria compor o filme. Após a mudança para cor, e feitos os primeiros testes de camera, o look não agradou a realizador, nem ao actor, nem ao director de arte Moss Mabry, que acharam que deveriam procurar uma peça que tornasse o personagem Jim Stark único. Uma pela que criasse contraste com os outros jovens do filme e reflectisse a sua personalidade de outsider: O miudo novo na cidade, que está de tal forma deslocado que nem através do modo de vestir consegue passar despercebido no meio dos seus novos colegas.

Apesar de Mabry ter afirmado que a escolha do casaco e do material se devera ao facto fortuito de se ter cruzado com um aspirante a actor num casting, que usava um blusão similar, e ter pensado que nunca vira ninguem tão deslocado e ao mesmo tempo tão corajoso por andar daquela forma na rua (o que o levou a associar de imediato o look ao protagonistas de Furia de Viver), o mais lógico seria apontar o modelo do casaco a um esforço colectivo, mas a escolha do tom vermelho a Nicholas Ray.

O realizador era um forte aficionado da cor vermelha e apologista de utilizar a saturação excessiva das primeiras peliculas como meio narrativo.

Em Furia de Viver, Ray serve-se da cor e do vestuário como auxiliar de composição narrativa. Cada personagem veste-se num tom diferente que lhe confere um determinado significado psicológico e ajuda a definir a sua personalidade. De certa forma uma adaptação para a era da cor do principio básico destacadado por D.W. Grifith de que vilões e protagonistas devem ter iluminações distintas de modo a que o espectador consiga distingui-los e senti-los de formas diferentes. (um principio ainda hoje usado, mesmo que de formas mais subtis).

No caso do personagem Jim Stark o vermelho não só junta a cor favorita do realizador (todos os seus protagonistas usaram uma peça vermelha), como ajuda a reforçar o conflito e a dualidade psicológica do papel interpretado por Dean. Por um lado o vermelho representa uma certa nobreza do herói tradicional, tratava-se de uma cor associada a bombeiros, à guarda montada, a certas fardas de exercito e até mesmo aos trajes de caça à raposa dos nobres ingleses. Mas o vermelho é simultaneamente a cor do sangue, da furia, da paixão e obviamente uma cor Diabólica, e é nessa indecisão entre o bem e o mal que Dean caminha constantemente em Fúria de Viver ou seja: A marca clara do verdadeiro Rebelde. Ou seja uma excelente ajuda de composição de personagem através de Costum Design & Art Direction. (a que Dean ajuda, com um toque tão simples como o levantar da gola do casaco).

A morte precoçe de James Dean ajudou o Red Jacket a tornar-se numa peça essencial de rebeldia da juventude. À estreia do filme, os grandes armazéns americanos esgotaram o stock de blusões encarnados, e incapazes de tingir os restantes a uma velocidade capaz de dar vasão à tamanha procura, viram-se obrigados a criar inéditas listas de espera para os vender.

Desde então, com altos ou baixos, o look tem sido replicado à exaustão e sempre que é necessário evocar um espirito jovem e contestatário no cinema, não há como o bom e velho casaco vermelho para facilitar o trabalho (não é um mero acaso que o blusão de Marty Mcfly, ou que a roupa final de Elliot em E.T. tenha esses tons).

Mas de todas as tentativas, nenhuma recuperou tão bem o efeito de coolness e anarquia do blusão de Dean, como o casaco pele vermelho de Tyler Durden em Clube de Combate.

Se Dean é a imagem do jovem rebelde por excelência, Pitt em Clube de Combate é a versão pós-apocaliptica e do inferno desse mesmo jovem. Mais cinico, mais duro, com menos questões existenciais (essas ficam para Norton), infinitamente mais relaxado e curiosamente, com uma causa.

Há todo um lado tremendamente irónico na escolha. Pitt, então a dar o salto para se tornar numa mega-estrela, vinha de um passado de estrela juvenil e como com tantos outros actores antes dele fora apelidado como a nova vinda de Dean à terra. O look de Clube de Combate não renega essa imagem, mas desconstroi-a e parece querer dizer-nos na cara: “Querem um Dean? Então eu dou-vos Dean como vocês nunca o viram antes meus sacanas!” A versão uber-cool de um devaneio rebelde de adolescência ou como quem diz: “I am jack complete man-crush for Rebel With Out a Cause”.

A mudança de material, do pano para o cabedal, a diferença de corte, menos blusão e mais casaco (no primeiro caso, porque são dois os que ele usa) reflectem essa ideia, mas entre todas as alterações a mensagem de inconformismo e rebeldia mantém-se igual, e ajuda o espectador a formular a personalidade do personagem, mesmo antes de ter a necessidade de o conhecer. Ou seja: outro excelente trabalho de Costum Design & Art Direction.

Quanto ao Red Jacket, pegando nas palavras de Moss: “É preciso uma grande dose de coragem para um homem andar assim na rua...”, mas vai dai Dean será para sempre um mito e Tyler Durden não era exactamente real...

Mas para quem tenha essa coragem: The Red Jacket Rules!

MS


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