A salvação mano a mano
Estreias: THE FIGHTER – ÚLTIMO ROUND
De: David O. Russell
Com: Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adams
Muita gente olha em antecipação “The Fighter” e pensa que é mais um filme sobre boxe. Pois, não é sobre boxe; é um filme sobre a família. Um filme onde a família triunfa por k.o..
Numa casa com uma matriarca, alguns pais e nove irmãos, o rapaz mais velho cresceu para se tornar o orgulho da família e do bairro de Lowell, um subúrbio pobre de Boston necessitado de heróis. Dickie foi um pugilista promissor, mas deitou tudo a perder quando se viciou em crack. Alguns anos depois, Micky, o irmão mais novo, vai tentar chegar aonde Dickie apenas sonhou: ao título mundial.
Micky é quem está no centro da história, mas o verdadeiro protagonista é Dickie. Wahlberg é sóbrio e segura-nos à terra, mas o filme é todo de Christian Bale, um fenómeno que andava adormecido em papéis de herói linear (de Batman ao John Connor de “Exterminador”) e que aqui executa um milagre diante dos nossos olhos. Dickie Eklund é magro até aos ossos e poderoso como um touro; um animal feroz na prisão e uma criança com medo da mãe; é feio, falhado e ridículo, ternurento, protector e a máquina de sentimentos que tudo põe em acção.
Mark Wahlberg foi promovido para melhor actor, mas falhou a nomeação. Já Christian Bale terá de se contentar com o Óscar de melhor actor secundário. Se não lho derem, será criminoso; se lho derem, criminoso será, porque Dickie Eklund é muito mais que um secundário; é uma das mais extraordinárias personagens do cinema do século XXI.
Com um elenco notável onde brilham ainda Amy Adams, Melissa Leo ou Jack McGee, David O. Russell tem a sensatez de não se armar ao pingarelho nas cenas de combate. Num universo onde “Touro Enraivecido”, “Million Dollar Baby”, “O Campeão” ou o próprio “Rocky” deixam sombras inultrapassáveis, Russell opta por um registo televisivo para as cenas no ringue, como se fizesse uma simples transmissão dum evento desportivo, porque o que importa é tudo o resto. O registo digital, cru, nas ruas, nas casas, sobre o ombro de Dickie ou Micky, para que sintamos até aos ossos o impacto dos murros e dos abraços.
“The Fighter” alimenta-nos uma emoção primária enquanto espectadores: a necessidade de salvação. E nós aceitamo-lo como crianças assistindo a um velho filme de bons e maus. Estamos com Micky. Queremos que bata, queremos que vença. Por ele, por Dickie, por nós.
AB
i, 2011.02.10
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