por que revemos filmes?

Estou em crer que há razões muito diferentes por detrás da atitude de quem vê uma longa-metragem pela segunda vez. Nuns casos, é o gosto. Gostou-se tanto que, à laia de doce de pastelaria, se repete o pedido. Noutros, é o alzheimer. O filme está a passar na televisão, não nos resta um pingo de força para subtrair o sofá à nossa sobrevivência, e achamos que assistimos pela primeira vez à imagem de Julie Andrews saltitando os Alpes. A pouco e pouco, há uma sensação de déja vu; depois, a premonição mística do desfecho que nos faz crer ser dotados de poderes paranormais; e, por fim, o prolongado “aaaaahhhh…” que precede a sentença inevitável: “já tinha visto isto…”.
Depois, há os clássicos que se viu em criança e se revê no tempo certo para apreciar devidamente. Os “Nosferatus”, os “Casablancas”, os “Há Lodo No Cais”, os “A Leste Do Paraíso”. São a viagem no tempo e a revelação das subtilezas que, à idade dos porquês, nos haviam, gloriosamente, escapado, entre um Boca Doce e outro.
Findos estes, emerge o motivo essencial: revemos filmes para voltar a viver.
Um filme só é um filme fechado dentro do DVD, do VHS, da bobine, do que for. Uma vez visto, é sempre mais que isso. É o próprio filme e a circunstância de quem o vê. É a altura do ano, do dia, o estado de espírito, a pessoa ao lado, o que aconteceu imediatamente antes e depois. É assim que os filmes se arquivam em nós.
Quando revemos, de plena consciência, queremos voltar a sentir a mesma mão dada no escuro; confundir-nos, de novo, com o protagonista, revisitar o jantar que o precedeu e a viagem, depois, até casa.
Porque o cinema é isto: a equipa técnica que fez o filme e o cerco de sentimentos que montámos em volta.
AB

[publicado no MEIA HORA de 12.06.08]