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Tem estreia marcada para dia 2 de Julho o filme de Michael Haneke, Funny Games US.
Não fosse aquele US no final do título e poder-se-ia pensar haver aqui algum equívoco: Funny Games é realmente um filme de Michael Haneke, porém, de 1997.
Pois bem, dez anos volvidos, o realizador austro-alemão resolveu filmar de novo Funny Games, plano por plano, desta feita com actores norte-americanos - Naomi Watts e Tim Roth, de um lado, Michael Pitt e Brady Corbet de outro.
Quando descobri este exercício de revisitação imediatamente fui transportado para o dia em que, na sala 1 do King, em Lisboa, fui ver Funny Games. Foi o dia em que vi mais gente sair de uma sala de cinema durante um filme, exceptuada a apresentação de Irréversible, na Sala 1 do S.Jorge, durante a Festa do Cinema Francês. Ainda assim esta excepção pode ser desconsiderada. É que se a razão para abandonar a sala de Irréversible é uma violação, gráfica e longa, sem apelo nem agravo, fazendo uso da violência física e estética, de cariz sexual, que sempre impressiona, às vezes para lá do controlo racional do próprio espectador, a cena que motivou cerca de 15 ou 20 pessoas a abandonar a Sala 1 do King, no dia em que vi Funny Games é uma cena curta, de violência ligeira. A razão era outra. Bem mais interessante.
Em Funny Games, cuidado pois vou contar bastante do filme, dois jovens sociopatas de óptimas maneiras vão insinuando-se na casa de uma família e, depois, abertamente, dominando a sua vivência através da violência. A dado momento o pai consegue escapar e matar um dos jovens. Para alívio da família e raiva do outro rapaz. Este pega então num comando de televisão e puxa o filme atrás até ao momento em que o pai escapa, impedindo-o de matar o seu companheiro.
Quanto tal cena sucede, boa parte da sala riu-se descontrolada e nervosamente, 15 ou 20 pessoas saíram. É compreensível. Até àquele momento todo o filme de Haneke estava claramente montado para que o espectador se colocasse do lado da família, como que a torcer por uma equipa. Havia uma hipótese de eles se safarem e quando o pai mata um dos sociopatas tudo parecia promissor, a família poderia vencer. E então Haneke relembra que ele está em controlo; mais, que ele está do lado dos jovens, que ele lhes dá uma arma temível em ficção: poderem, por um momento ilusório, controlar a narrativa a seu bel-prazer.
A saída daquelas 15 ou 20 pessoas, quis sempre crer, não se ficou a dever a cada uma delas sentir que Haneke estava a gozar com elas e a fazê-las perder tempo. Ficou a dever-se, ou assim gostava de acreditar, a terem sido lembradas - de um modo brutal - que a ficção depende quase totalmente do Criador e só em pequena medida do Espectador. Elas estavam, naquele caso, do lado errado da criatura e Haneke fez questão de lhes lembrar isso, de mostrar-lhes que tinham escolhido um lado mas que ele podia muito bem escolher outro. O que chocou ali as pessoas foi Haneke ter tomado partido de algumas personagens de uma forma que lhes pareceu injusta, talvez até desonesta. Talvez se o jovem morto pelo pai não estivesse realmente morto, mas apenas parecesse morto...qualquer coisa, desde que não algo tão intrusivo, tão contrário à suspension in disbelief. Os espectadores que saíram exerceram o pequeno controlo que podiam exercer: cortaram a criatura cerce e não a deixaram continuar para si mesmos.
Que tem isto tudo a ver com o literal remake de Funny Games, agora US? Pouco, quase nada. Não faço a mínima ideia como se portará esta versão nem como reagirão os espectadores portugueses 10 anos depois, em cenário americano, com actores conhecidos. Mas estarei lá para ver.
DM
Comentários
Não sei porquê, mas faz-me parecer que agora a reacção vai ser diferente... O filme espero que não muito, se bem que para isso tenha que manter aquele ambiente e frieza nórdicas, o que não será fácil.
Este filme marcou-me muito. Estou com uma certa expectativa acerca do remake.