Entre os melhores
Iron Man é o mais novo produto da estratégia cinematográfica Marvel, que pretende produzir um filme para cada um dos seus míticos super-heróis.
Há paradoxos interessantes no mundo e aquele que é revelado pela DC e pela Marvel, as duas maiores editoras de comics do mundo, é muito interessante. A DC tem, estatistica e iconicamente, os dois mais famosos super-heróis de todos os tempos - Superman e Batman - porém, é a Marvel que detem o Universo mais amado e bem conseguido.
Talvez tal paradoxo seja explicado pelo cosmos organizacional que a Marvel sempre mostrou e que a DC sempre pareceu deixar escapar. A última estratégia cinematográfica da Marvel, iniciada ainda nos anos 90, demonstra-o bem.
Vendo bem a DC tinha a vida simplificada. Com um Universo em que quase todos as personagens revolvem à volta de Super-Homem e do Homem Morcego é complicado demonstrar a complexidade de um universo alternativo. Personagens como o Flash ou Aquaman surgem sempre como coadjuvantes ou membros de alguma equipa. Não que não tenham história ou personalidade mas a DC nunca conseguiu imortalizá-las. Ou, antes, super-humanizá-las.
A Marvel conseguiu isso nos seus comics precisamente por não ter atribuído a primazia a nenhum dos seus heróis. É impossível conseguir consenso sobre os maiores heróis do Universo Marvel. Será Hulk, Capitão América, Homem de Ferro?
A Marvel pretende manter essa mesma tensão na passagem para o cinema mas a experiência tem sido irregular. Na estratégia cinematográfica conseguimos encontrar maus filmes, filmes razoáveis e bons filmes. E isto porque, diga-se como elogio, as personagens Marvel apresentam quase sempre grandes níveis de existencialismo, que evidentemente nem sempre é vantajoso explorar num filme, que se quer de acção, para o público do entretenimento.
Porém, sem querer ir agora fazer a revisão dos X-Men, Quarteto Fantástico, Hulk, Demolidor, Elektra ou outros, Iron Man, recentemente estreado nos cinemas portugueses, é uma boa surpresa. E estou por isso contra a maioria das opiniões que têm surgido a rotular o filme de razoável, demonstrando mais uma vez, um olhar deslocado sobre o que é um filme Marvel. Sobretudo visto da perspectiva dupla de um cinéfilo e de um fã de comics Marvel.
O Homem de Ferro, o intróito importa, é uma das personagens mais intrigantes do Universo Marvel, como aliás a sua renovada importância na recente Guerra Civil Marvel demonstra. Aí o Homem de Ferro apareceu a capitanear uma das duas facções em que se dividiu o Universo, em favor da revelação das identidades secretas e do registo público dos super-heróis. Curiosamente, ou não tanto, foi o Capitão América, que Deus o guarde, que liderou a outra facção. Ambos eram grandes amigo (o Capitão América foi morto nas escadas do tribunal quando ia estar presente como arguido).
A intrigante complexidade do Homem de Ferro advem-lhe do facto de haver pouco na sua personalidade que se manteve estável ao longo dos tempos. Talvez o seu carácter mulherengo e um ideal de justiça conservador, puro e duro. De resto já foi pacifista e militarista, já foi alcoólico, quase morreu mas viu a luz. Pelo meio, qual James Bond, conseguiu manter uma relação atribulada com a sua dedicada secretária Virginia "Pepper" Potts. Além disso graças ao seu génio e riqueza Iron Man, através da sua identidade real, Tony Stark, é uma das pessoas mais influentes no Universo Marvel, mantendo relações com várias agências estatais e com inúmeras equipas de super-heróis. Como passar tudo isto para um filme de duas horas? Nunca é fácil. Porém, a Marvel começou bem ao escolher Robert Downey Jr. para o papel. O actor assenta que nem uma luva no papel de Tony Stark. Dir-se-ia mesmo que foi feito para o papel pois empresta credibilidade à personalidade complexa de Stark/Iron Man. Complexidade essa que, estando assegurada uma sequela, se espera que possa ser aprofundada.
É verdade que o fã de comics Marvel vê sempre um filme diferente dos restantes espectadores e a própria Marvel resolve compensar esses fãs entre os demais com algumas cumplicidades durante o filme. Por exemplo, o cameo de Stan Lee, criador do Iron Man, a quem Downey Jr. chama Hef à chegada à festa da Disney; a frase de Rodhes quando olha para a armadura de Iron Man e refere que "talvez um dia" tem especial piada para o fã que sabe que Rhodes foi efectivamente uma das pessoas que utilizou uma armadura, tendo ficado conhecido como War Machine (durante o período em que Stark saiu de cena, por ser alcoólico); a brincadeira com o trocadilho do acrónimo SHIELD, com quem Iron Man está ligado desde o início; e a cena pós-créditos finais em que o Coronel Nick Fury surge a referir o projecto Avengers, umas das mais famosas equipas de super-heróis da Marvel, juntamente com o Quarteto Fantástico e os X-Men. Mas há outros dados que ajudam o fã a ver mais personagem do que aquela que surge no filme. Por exemplo, o apagado motorista de Tony Stark é no Universo Marvel um secundário bem importante, de seu nome Happy Hogan, a dado passo casado com Pepper Potts. Bem, mas divago.
O que interessa sobre este Iron Man é que consegue o que é mais difícil na passagem de um super-herói Marvel para o grande ecrã: um compromisso entre a complexidade de um personagem (e Iron Man é bem complexo) e a necessária dose de acção.
DM
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