Não ir ao cinema

O ataque do DVD, e depois do filme sacado de forma pirata, parece ser para muitos a razão de ser da menor afluência que os cinemas vão registando. Mesmo aqueles que estão incorporados numa grande superfície comercial não podem dizer que escapam à matança. Mas será esta uma boa explicação? E será o fenómeno verdadeiro? A explicação é boa e é verdadeira mas é também enganosa. Comparar o incomparável é o primeiro erro que não podemos cometer. Não se podem invocar as grandes massas de gente, os cinemas de 1000 ou mais lugares, dos anos 50 e 60 para demonstrar como vai mal o mundo do cinema. Nessa altura a vida em Portugal era outra e, já agora, televisão havia pouca, VHS nem vê-lo e o DVD ainda estava remetido à ficção científica. Na verdade o aparecimento destes meios foi bom para compreender o cinema como arte. E porquê? Bem, dificilmente se dirá que a televisão é uma arte ou o telefilme um ensaio estético. A televisão, o VHS, o DVD, o Blu-Ray são meios, a arte é outra. O cinema não se limita a entreter, cria o seu próprio ambiente e traz o espectador para algo que não é seu, que é colectivo, que é partilhado, mesmo se em silêncio. Em casa o cinema é algo que manipulamos, que se integra no mundo que é o nosso. No cinema estamos em casa dele, somos convidados do filme que escolhemos, bem ou mal. Daí que não ir ao cinema nos tempos de hoje possa bem ser visto como uma forma de perceber quem ainda gosta de se fazer convidado de um ambiente diferente, pode explicar por que alguns estão na sala de cinema como na sua sala – telemóvel e tudo. À boa maneira do cinema, mestre em criar rivalidades entre o Bem e o Mal, o ir ou não ir ao cinema pode bem ser visto como uma luta de titãs, entre a vitória de um estilo de vida, que não quer entrar na casa alheia, aceitar as regras de um mundo novo e prefere esperar pelo DVD, como agora se ouve muito. Não há nada de mal com isso e não ir ao cinema é um direito de todos. Mas talvez o cenário mudasse um pouco se o cinema deixasse de se vender, como muitos o querem pintar, como um DVD em tamanho gigante.

DM (texto publicado no jornal Meia Hora, na sexta-feira, dia 18 de Abril*)

* e que curiosamente devia ter saído antes do texto do Luís, sendo que nenhum de nós sabia o que o outro andava a escrever... bem, mas creio que a amizade tem destas coisas.