as aventuras de todd haynes contra o biopic

Há milhares de definições de cinema. É tão fácil opinar sobre o que seja que em seu torno se criou uma floresta de definições, emaranhada de paradoxos, que nos nega a visão sobre o que seja última e necessariamente.
Partamos, pois, para postular o que não é: o cinema não é a vida, não é a realidade, o cinema não são as pessoas, não é a História nem o manual nem a Ciência. A vida, a realidade, as pessoas, isso e uma série de outras coisas é o mundo. A História escreve-o, a Ciência investiga-o; o cinema, como as restantes artes, faz outra coisa.
Isto, digo eu, torna-se especialmente evidente quando o cinema deita as mãos a factos e figuras deste lado da tela. Biopics e filmes ditos históricos funcionam quando querem passar nas salas de cinema e não nas aulas do secundário. Contar a história tal qual foi, tintim por tintim, eis um excelente conselho para fazer um filme absolutamente vulgar. E acompanhar o percurso de uma personagem histórica, passo a passo, com fidelidade canina / jornalística (riscar o que não interessa), parece um óptimo princípio para fazer um engodo destinado àquela turba que adora aprender tudo sobre tudo em noventa minutos e sem ter de abrir um só livro.
Façamos, por isso, a vénia a Todd Haynes. I’m Not There, tal como Velvet Goldmine (já lá vão – parece mentira – dez anos), não quer fazer História, nem contá-la, nem ser um manual. É um imenso divertimento de um olhar particular sobre parte da História da Pop. Para contar a história de Bob Dylan, há o documentário – magnífico – de Scorsese, há o Biography Channel, há o próprio Dylan – está vivo. É uma questão de o tentar entrevistar.
O cinema fala de heróis; a anatomia é que decompõe seres humanos.

AB
[publicado no MEIA HORA de ontem]

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