The near death experience

A experiência da proximidade da morte é fascinante. Num momento, a morte é um conhecimento. No outro, uma urgência. Quanto mais próximos da morte estamos, maior o contraste com a vida e, por isso, mais fácil é perceber o significado que lhe havemos de dar. É sabido que os opostos têm o condão de emprestar definição uns aos outros. O dia recorta-se melhor ao por-do-sol, quando já a noite vem chegando. Por exemplo. Pelo contrário, quanto mais nos afastamos da morte (ou dela estamos longe) maior é a dificuldade de perceber o que é a existência, de lhe atribuir um significado. Tomamo-lo por nosso, se nos é dado, inquieta-nos se não o temos.

Em regra, diria, felizmente, nunca nos distanciamos da nossa morte. Pelo contrário vamos caminhando para ela e, também em regra, diria felizmente, são precisos muitos anos para que pelo corpo e pela consciência a morte comece a contrastar a vida de um modo perceptível. Digo, incontornável. Digo, inesquecível.

Mas, às vezes, acontece. Por isso, ao lado da experiência da morte próxima, dos doentes com maleitas terminais, dos prisioneiros no corredor final ou dos que premeditamente planeiam o seu fim, há aqueles casos mais raros dos que encontram a morte de repente, mas passam apenas, por um momento, breve o suficiente para poderem continuar. Vivos. É também uma experiência de morte próxima, mas em que importa mais, em regra, o seu contrário. Sobrevivemos à morte (quase) certa e nesse exato momento, começamos a regressar à vida, rumo à normalidade que antes conhecíamos. Rumo aos anos, décadas, que ainda teremos antes, não havendo nenhum repente, de nos começarmos a confrontar com a morte, através da morte dos nossos contemporâneos, das doenças, das insuficiências perigosas. E depois dessa experiência próxima da morte, se somos jovens sobretudo, depois de umas semanas e meses em que nos sentimos como se sente quem está a semanas ou meses de morrer, começamos a regressar à (quase) normalidade. A morte desvanece-se como experiência (próxima) e volta a ser um conhecimento, uma ciência. Algo há que pode ficar. Cada um terá essa sua centelha de experiência que fica e é sempre interessante pararmos para ler ou escutar quem connosco a quiser partilhar. É em regra algo, como disse, fascinante. E menos trágico do que a outra, mais comum, mais documentada, daqueles que não estão próximos da morte, afastando-se dela, mas que estão próximos da morte porque dela se aproximam. Finalmente.

Vem isto a propósito do Crepúsculo, filme de Michel Franco, no original de Sundown. É um belo título e muito apropriado, sobretudo depois de digerirmos o filme e a sua brutalidade, que começo a achar ser um timbre de Franco, depois de ter visto o seu magnífico, Nova Ordem. E o que posso dizer do filme é o que escrevi acima, traduzido pela maestria da interpretação de Tim Roth, de quem sempre descubro poder gostar ainda mais.

A morte tem esse condão de cortar pela porcaria, pelo auto-engano, pelo supérfluo e de obrigar a confrontarmos a existência. A vida como significado. É incrível como nuns poucos milhares de anos, ainda não conseguimos fazer isto sem a ajuda da morte. Talvez seja mesmo o mais fascinante da humanidade.

DM

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