007 Skyfall


O meu Vesper, aliás, pouco original: 3 partes de Tanqueray, 1 parte de Stolichnaya, meia parte de Lillet Blanc, uma gotas de Angostura Bitters. Podemos começar. Para quem não tenha coragem para tentar isto em casa, recomendo o do Lounge 5, em Lisboa.

Um filme de James Bond, se bem feito, é como uma ópera magistral. Há um lugar e um momento para tudo. Mesmo para o inesperado.

Em primeiro lugar há a cena de abertura. Tem que ser boa sem ser exagerada (por exemplo, quedas-livres que acertam em portas de aviões em pleno voo), mas também não pode ser tão suave que permita a confusão com qualquer outro tipo de filme de acção, ou, pior, com um drama romântico.

De todos os Assassin's Creed a que já joguei - e foram quatro - há apenas um a que regresso, de vez em quando, apenas pelo puro prazer de passear pelos telhados da Constantinopla medieval. Fico, por isso, feliz, por saber que os produtores de Skyfall também tiveram o bom gosto de escolher Istambul para a cena de abertura do 23.º Bond. Creio que foi decisivo para que tenhamos uma cena de abertura de grande qualidade, sem ultrapassar os limites do que a suspensão da incredulidade pode suportar.  Note-se o pormenor delicioso de a perseguição ser de um Land Rover a um Audi.

Depois vem o genérico entrançado no tema musical. Resulta claro para o cidadão mais tacanho que Adele foi feita para cantar um tema de um filme de James Bond. Por momentos esperamos que em vez do Craig que caiu à água, nos surja um Connery pelas águas rejuvenescido. 

Talvez tenha deixado transpirar a minha pouca afeição por Daniel Craig no papel do nosso querido Commander Bond. Calma. Na verdade não sou um admirador. Há algo de desequilibrado em Craig face ao Bond de Fleming, se quisermos respeitar as origens. O cabelo louro, claro; o físico excessivo. Mas a verdade é que Craig como Bond tem vindo a surpreender-me. Fê-lo logo em Casino Royale e, de novo, em Skyfall. Quantum of Solace apenas acentuou que não era um Bond capaz de dar a volta a um mau guião. De resto, nele a elegância parece sempre construída e artificial, o que derrota o propósito do Bond cinematográfico, mesmo se é suportado pelo Bond literário.

Depois, as bond girls. Como não gostar de uma bond girl deslumbrante que se chama Séverine, apelando ao nosso lado mais sentimental, quando evoca a protagonista de Belle de Jour e alma mater deste blog? O mesmo se diga da falsa bond girl, revelada no final como aquela que poderíamos designar como a anti-bond girl.

O crescendo prossegue com o vilão. Pode dizer-se que um Bond só é tão bom quanto o vilão que conseguir apresentar. Javier Bardem não podia estar melhor. Oscilando entre o terno e o frio, mas sempre destemperado e louco, Bardem encarna um bom vilão, com ritmo, força e direcção.

O argumento não é novo, mas é bom e presta-se à função última do filme: renovar a saga por mais 50 anos. Afinal, encontramos variantes de temas conhecidos: a traição vinda do passado, a crise de identidade, o choque entre os serviços secretos e o poder político. Apesar de tudo, proporciona-nos, para além de Istambul, Xangai e Londres. E devolve Bond à sua Escócia e aos seus progenitores, Andrew e Monique Delacroix.

Finalmente, este é um Bond incomum, terminando com um início. Início esse que se começa a adivinhar a meio do filme, com a apresentação de um novo Q (artermaster) e com a recuperação e sacrifício de um velho Aston Martin. No final [SPOILER] somos apresentados a um novo M e a uma nova Miss Moneypenny [END SPOILER]. Até Bond parece novo e preparado, à sua maneira ultrapassada, mas de uma infinita dedicação, para todas as guerras sombrias e ocultas que grassam pelo mundo. 

Skyfall, 23.º Bond canónico, é bom sobretudo pelo que deixa adivinhar, muito mais do que pelo que mostra. O que, aliás, é um dos temas do filme e da saga. Nesta medida, Craig cumpre, bem como todo o restante elenco, a sua função renovadora. Mas a confirmação só virá com os próximos filmes. E com a realidade que o mundo oferecer à sua ficção. Bebamos a isso. A uma realidade digna de Bond e a um Bond digno da sua ficção.

Como o Vesper que inventou, Bond já não pode degustar-se no original. Mas talvez o que seja "original" esteja sobrevalorizado: somos sempre a nossa melhor versão do momento. Aquela que dê para o gasto e se adapte às circunstâncias. Com charme, naturalmente. E com a lealdade possível às nossas origens. 

DM


Comentários

Simone disse…
Anti-, percebo, mas porquê falsa bond girl? *
Joana disse…
Estimado Bloguer,

Sou a Joana, e estou interessada no seu blog para uma campanha de publicidade, sera que poderia entrar em contato comigo atraves de jdomingues@ibooster.es a fim de que eu lhe possa fornecer mais detalhes?

Com os melhores cumprimentos
Atentamente
Joana
noite americana disse…
Porque não creio que possamos considerar Miss Moneypenny uma bond girl. Ela está noutro patamar.
noite americana disse…
Cara Joana,

pode contactar-nos para o e-mail: noiteamericana2005@gmail.com

Saudações cinéfilas

noite americana
Simone disse…
Ah, ok. Pensava que estavas a referir-te à M. Em parte foi o que achei tão genial no filme: tanto esta assunção "Dench's M is quite simply the Bond girl to end all Bond girls." (not my line, though http://www.guardian.co.uk/film/2012/oct/25/skyfall-review?CMP=twt_gu), como o facto de o Bardem ser ele próprio um Bond Boy a certa altura. Modern times.

Barreira Invisível Podcast