O Hábito faz o Monge: O Trabalho de J. G. Aulusi em “Os 3 dias do Condor”.
“This
is Condor... something has happen. the
section's been hit... every one is dead. Will you guys bring me in? (...) I'm
not a field agent... I just read books!”
Algo
esquecido no meio de uma década de filmes brilhantes, Os Três Dias do Condor (TDC)
é uma execução quase perfeita de um sub-género cinematográfico que encontrou os
seus melhores dias exatamente nos anos 70. Mas para além disso, e de ser muito
provavelmente um dos 10 filmes da história do cinema em que os personagens se
vestem com mais estilo (e esta afirmação não é de todo negociável) TDC, é um
dos mais interessantes, sóbrios e discretos exemplos de como o costume design pode e deve atuar em prol
da narrativa e da construção de personagens.
O
ano era 1975. Nixon abandonara a Presidência dos Estados Unidos, mas o
escândalo de Watergate ainda estava fresco na memória colectiva Americana. Os
boletins noticiosos dividiam-se entre casos de corrupção de figuras de estado,
revelações de massacres ocorridos na guerra do Vietnam abafados do olho
publico. Agudizava-se a Guerra Fria, onde se multiplicavam as histórias de
trocas de espiões e agentes duplos, e surgia um novo perigo sob a forma do
“Terrorismo Árabe”, um novo género de guerra
que ganhara visibilidade dois anos antes com os atentados dos Jogos Olímpicos
de Munique. E de onde surgiam figuras míticas de “super terroristas/espiões”
sob a forma de Carlos “O Chacal” e de certa forma Yasser Arafat
"I'm not a crook..."
Atingia-se
o pico da desconfiança publica em relação ao sistema político norte-americano, e
Hollywood, que atravessava uma das suas fases mais criativas, não ficou alheia ao fenómeno e resgatou
(muito por culpa de Alan J. Pakula), um subgénero do Thriller que parecia adormecido,
ou que andara dissimulado deste o inicio da guerra fria nos filmes de série B
de ficção científica: O Thriller de Paranoia Política (e desta era, talvez
nenhum filme se destaque mais do que O
Vigilante (1974) de F.F. Coppola).
É
neste ambiente que Sidney Pollack e Robert Redford optam pelos direitos do
romance de James Grady Os Seis Dias do Condor (cujo a adaptação
a cinema cortaria 3 dias). A história de um quadro menor da CIA, Joseph Turner,
um agente de nome de código Condor que simplesmente passa os dias numa divisão
de aparente pouca importância da Agência a ler todos os livros publicados, em
busca de alguma mensagem subliminar. Até que um dia ao chegar ao escritório
encontra toda a sua equipa assassinada, transformando-se subitamente num peão ativo
do mundo da espionagem.
Com
diversas facções atrás de si prontas a eliminá-lo, Condor não sabe em quem pode
confiar e vê-se a lutar pela sua vida devido a informações secretas que não
está sequer certo que as detenha.
Na
sua essência mais pura, este é um filme de espionagem sobre um homem em fuga, o
tema Hitchcockiano por excelência. Mas era igualmente um ambiente
cinematográfico que desde 1962 com Dr. No passara a ter
dominantemente um nome, um estilo e, mais importante, um tipo de herói: James Bond.
Para
que Os Três Dias do Condor
continuasse fiel à obra de Grady, e não perdesse o seu lado realista, Pollack e
Redford sabiam que tinham que se afastar por completo da ideia do “Espião
Bond”, o homem que usa fato de gala em todas as ocasiões, da mesma forma que
tinham que se afastar da imagem quase de banda desenhada que ainda hoje
persiste do espião: o homem de gabardine com a gola levantada, óculos escuros e
fedora de abas curtas (um visual que Max
Von Sydow, o vilão do filme, acaba por adoptar).
"I See you!"
Era
necessário trazer realismo ao protagonista, torná-lo uma peça contemporânea da
cidade, um homem que se dissimulasse no meio da multidão anónima, ao contrário
de Bond, cujo o ar impecável acaba sempre por fazer com que se destaque (há,
inesperadamente, uma boa rabula sobre este tema no inicio de XXX – Missão Radical (2002) ) . Mais do
que nunca Redford, que era também produtor, sabia da importância da imagem e do
estilo do protagonista, assim como a força que as marcas começavam a ter para
promover um filme, tal como ficara provado dois anos antes quando Ralph Lauren
desenhou o guarda-roupa para O Grande
Gatsby (1973).
A
solução arranjada por Redford e Pollar para transmitir esse lado urbano e
moderno aos personagens do filme, foi chamar Joseph G. Aulusi para Costum Designer. Aulusi, um jovem designer
de moda nova-iorquino a dar os seus primeiros passos no mundo do cinema, já
fora por esta altura o responsável pelo visual de duas figuras claramente
urbanas e marcantes no cinema: Shaft, mas principalmente Paul Kersey, o famoso
vigilante intrepertado por Charles Bronson em O Justiceiro da Noite (1974). Era esse o realismo, o inegável lado cool, durão, mas igualmente de dia-a-dia que os
produtores procuravam, e que Aulisi claramente trouxe para o filme. (a sua
carreira seria a partir daqui marcada pela composição de grandes heróis urbanos,
como John Mclaine em Die Hard 3)
"Bronson: Maior Durão de SEMPRE!"
Talvez
não seja de descartar a importância de Bernie Pollack no processo de construção
dos personagens. Bernie era irmão de Sidney, amigo e posteriormente colaborador
regular de Redford, também ele Costum Designer, mas aqui com a função de
responsável em set do Guarda-Roupa. Mas centremo-nos no Look de Redford.
Quando
surge pela primeira vez no ecrã, Turner/Redford é-nos apresentado com um certo
ar geek, um rato de biblioteca
elegante, alguém que não está inteiramente preparado para o mundo que o rodeia.
Em pleno Inverno rigoroso ele veste-se com um blazzer tweed, barrete, luvas,
pulôver com camisa e gravata, botas de montanha e calças de ganga. É o género de homem despreocupado que vai para o trabalho de bicicleta, numa cidade tão agressivamente motorizada como Nova Iorque. Depois temos os óculos, que lhe transmitem o derradeiro toque de fragilidade, e inocência (mesmo que se trate de Robert Redford a tentar passar por geek), uma alusão à clássica ideia de que “não se bate num homem com óculos”, ao mesmo tempo que o define como um intelectual, mesmo antes de sabermos a sua profissão.
"Neeeeerd!"
O seu estilo
desportivo-clássico contrasta principalmente no escritório, e reforça a ideia
de ser um personagem com personalidade vincada: ele é o homem que não se deixa
formalizar, usa gravata mas não abandona a calça de ganga, nem adere ao fato.
Ele é um homem que não se sente verdadeiramente como fazendo parte da Agência
para onde trabalha. Pequenas indicações que apreendemos no nosso subconsciente,
e que nos podem ser sugeridas por um simples guarda-roupa.
Sem
duvida que a peça mais icónica do filme, é o Peacoat "Navy" Jacket (em português, talvez
a melhor definição seja um casaco assertoado) que Redford usa aproximadamente a
partir do final do segundo acto, no momento do guião “when all hope is lost”.
Turner, O Condor, passa a noite em casa de uma desconhecida,
que raptou no momento da fuga (novamente o tema Hitchcockiano, tal e qual como
em À 1 e 45/Sabotage (1936)), mas é
descoberto por um dos assassinos que anda ao seu encalce. Após uma luta
selvagem, O Condor consegue matar o assassino, e dá-se uma viragem por completo
no seu personagem, uma fronteira foi passada e não há voltar atrás, agora que ele matou
um homem e as suas mãos estão tão sujas de sangue como as de qualquer "agente de terreno" dá-se a confirmação que a sua vida passada terminou, ele agora é como
os homens que o perseguem, apesar de proscrito ele agora faz parte da Agência,
do grande mecanismo do mundo da espionagem.
Essa
transformação é-nos dada de forma subtil com dois adereços: O Peacoat "Navy" Jacket e os
indispensáveis Ray Ban Aviator.
"O kit completo para um inverno com estilo"
O Peacoat "Navy" Jacket, que no filme nos surge como uma escolha do acaso, um simples
casaco que Redford rouba num momento de aflição, algo que o proteja do frio, e
que seja diferente do que ele estava a usar e mais difícil de ser reconhecido
pelos seus perseguidores, acaba por simbolizar a transformação do personagem.
Ao
mesmo tempo que determina uma não total aceitação desse facto por parte de Turner/Redford.
Tal como o nome indica, o Peacoat "Navy" Jacket é um casaco que está ligado à ideia de
Marinha, principalmente Marinha Mercante, navegantes nómadas que deixam de ter uma Pátria,
que andam de porto em porto sem uma relação ao mundo real. É num destes homens que o Condor se tornou. A cor não é tão vistosa como o seu blazzer tweed cinzento,
deixa-se perder facilmente numa multidão, como é exemplo o ultimo plano do
filme. Ao mesmo tempo a gola levantada, e o próprio corte do casaco faz lembrar
as tais gabardines clássicas de espiões, mas também aqui predomina a
personalidade de Turner: Mesmo quando entra no jogo, ele continua a fazer as
coisas à sua maneira, não perde a sua identidade e independência.
E
claro, os Aviator. A relação de Redford com a Ray Ban surge de forma mais
vincada em 1969 com Os Corredores da
Montanha, e com o modelo Aviator (Que se tornou a imagem de Redford) desde
o muito esquecido, mas bastante interessante Os Rivais (1970). Redford tornou-se uma das caras da
marca, do mesmo modo que o outro Icon de estilo e um dos principais
concorrentes de Redford como protagonista da década de 70, Steve Mqueen, era o
poster boy da Persol. (pensem em Coca Cola Vs Pepsi).
Os Aviator surgem com o casaco e são, não só, uma peça imprescindível a qualquer
bom espião, como talvez a mudança mais óbvia do visual de Redford: Os óculos de
ver (que já tinham um aro ao estilo Aviator) substituídos pelos óculos escuros,
a visão do personagem fica mais negra, porque ele próprio passa a ter uma visão
mais obscura e turva do mundo à medida que mergulha no submundo da espionagem. Novamente grandes indicações que apreendemos no
nosso subconsciente, que reforçam a personalidade do personagem, a fluidez da
narrativa e são-nos sugeridas por simples detalhes de guarda-roupa, e tudo isto com um look intemporal (de todos os personagens), onde sem ser forçado, todos os personagens têm um enorme estilo.
"Palmas para si J.G. Aulusi!"
Uma pena, porque o trabalho de Aulusi é, realmente, perfeito...
MS
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