uma improvável elegia a los angeles


O SOLISTA

De: Joe Wright

Com: Jamie Foxx, Robert Downey Jr., Catherine Keener

Woody Allen disse, certa vez, que o único contributo de Los Angeles para a Humanidade fora a permissão de virar à direita nos vermelhos. E foi mais ou menos assim, por estas e por outras, que se criou a imagem que toda a gente tem de LA: vai-se lá para vencer e, depois, ser feliz noutro sítio qualquer. Scorsese, o dito Allen e mais um milhão de outros artistas, escrevem épicos sobre Nova Iorque volta e meia. Miami já teve direito a título em filmes e séries; Vegas está mais no nosso imaginário do que a terra onde nascemos; Chicago, S. Francisco, Filadélfia, Seattle, o Alaska, a Califórnia vinícola e uma série doutros sítios da América já mereceram o seu poemazinho. Só LA ficou para sempre como a cidade-objecto a quem ninguém faz declarações de amor.

E assim entramos naquele que é talvez o aspecto mais original de “O Solista”: é um filme estranhamente enamorado de Los Angeles. Encontra-lhe beleza nos túneis e nos viadutos, acústica no seu betão, uma certa grandeza moral na sua decadência. Até se arrisca a um breve périplo cultural – sim, cultural – pelas suas praças e edifícios históricos – sim, históricos. Em LA.

A partir daqui, “O Solista” é quase bom.

Primeira aventura americana do respeitável realizador britânico Joe Wright – “Expiação”, “Orgulho E Preconceito” – “O Solista” é a adaptação do livro de Steve Lopez, um colunista do LA Times que, um dia, descobriu um violoncelista genial a viver como sem-abrigo. Nathaniel Ayers fora, outrora, um promissor alunos da prestigiada Juilliard, mas as primeiras manifestações violentas de esquizofrenia afastaram-no da carreira e lançaram-no nas ruas e no total anonimato.

A história era boa por si só, mas isso dificilmente satisfaria os desejos de Dreamworks e Universal. Por isso, entregaram-se os papéis a duas grandes estrelas e com elas se fez o seguro de vida para a aventura nas bilheteiras. Robert Downey Jr. ficou com o papel do jornalista Lopez, Jamie Foxx com o do sem-abrigo génio-louco. Por uma qualquer razão misteriosa, vemos o filme e nunca pensamos em Steve Lopez e Nathaniel Ayers – pensamos que é o Robert Downey Jr. vestido de Robert Downey Jr. com os tiques de Robert Downey Jr., e Jamie Foxx vestido de sem-abrigo clownesco, cheio de talento, mas a pensar, entre cada deixa, se já chega para ganhar o Oscar ou se ainda é preciso fazer mais um maneirismo.

“O Solista” não se decide e fica-se por um meio termo perigoso. Por um lado, tem momentos arty, como numa cena em que a personagem de Nathaniel assiste ao ensaio de uma orquestra e, de repente, toda a tela se enche da experiência de cor que a música está a despertar dentro da sua cabeça. Noutro andamento, chega-se à frente como filme-protesto, na linha de “Crash”, elegendo como causa os milhares de sem-abrigo que, diariamente, adormecem nas ruas de LA. Mas, de um modo geral, comporta-se como blockbuster à procura de grandes resultados de box-office e umas nomeações aos Oscar. No fim, acaba por não ser nada. Quase que era, mas não foi. Fica-se pelo quase-bom, a mais ingrata das categorias.

Há muita coisa gratuita em “O Solista”: a entrada em cena da personagem de Steve Lopez, uns números cómicos com amostras de urina que fariam corar Mr. Bean e a personagem de Catherine Keener, francamente ultrapassada em matéria de importância por uma estátua de Beethoven. E há coisas óptimas, sobretudo quando Wright explora o Skid Row de LA. E um ou dois gags improváveis envolvendo Neil Diamond e a personagem de Nathaniel explicando por que prefere dormir nas ruas de LA: já tentara em Wall Street, mas era muito sujo.

AB

i, 2009.10.15

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